segunda-feira, setembro 12

Hipocrisias




O Mundo mudou ontem a 11 de Setembro. Uma década depois, do declínio e queda da relação do Ocidente com o resto do Mundo, ainda olhamos, em directo, para a memória do soçobrar do WTC...como se fosse ontem. Mas, por enquanto, sobre os escombros do aviltante fanatismo muçulmano a Liberdade acabou por prevalecer sobre a tirania. O choque de civilizações passou da teoria à prática e afinal o eixo do mal era mesmo real. Mas, mesmo na teoria, essa clivagem sempre existiu na sua fonte quando, de um lado, temos o Islão cuja raiz se define como "submissão" e do outro lado do Mundo existe o Ocidente. Pretender carrear do Ocidente para o Islão um modelo civilizacional que está nos antípodas da subjugação do indivíduo, e da sociedade ao "Além", é a verdadeira "quadratura do círculo". Porém, o "mundo árabe" também está em mudança. Falta é ainda fazer a festa da Liberdade em tantas capitais sob a bandeira da teocracia e do despotismo. Mas que "festa" é essa ? O que se assiste em Tripoli, e na Líbia em geral, não é uma espécie de Revolução dos Cravos nem o regime de Kadhafi se compara ao Estado Novo. Dizer-se que a sublevação popular na Líbia, ou em qualquer outro território tribal, com pretensões de ser um Estado, é "uma espécie de 25 de Abril", é um enorme erro de casting. Na Líbia, como em qualquer outro torrão de terra queimada pelo Islão e dominado pela lei do Corão, as mais elementares Liberdades cívicas são inexistentes, e mundanidades tão vulgares, como por exemplo ir à praia, chegam a ser motivo de proibição como sucedia na coutada de Kadhafi. Mas por via do "multiculturalismo", imposto pelo politicamente correcto, qualquer crítica ou censura Ocidental sobre a intolerância e a utopia de Democracia no Islão é logo banida do debate público como se de uma "boutade" se tratasse. Ao invés, com despudor, mais ligeiramente se afirma que estas erupções no mundo árabe e muçulmano são uma espécie de 25 de Abril! A única analogia possível é o risco que correm, agora os Líbios, de substituírem o Antigo Regime pelo talibanismo barbudo, como nós em Portugal, com a queda do Estado Novo, corremos o sério risco de resvalar para uma ditadura terceiro-mundista de barbudos marxistas. Estes, aliás, sempre foram cúmplices da Liga Árabe e Irmandade Muçulmana pela simples e pragmática razão de serem inimigos da Liberdade que Israel sempre simbolizou como excepção possível. Mas, o Mundo efectivamente mudou, e no meio da arruaça de Tripoli, longe já do ódio ao Ocidente que tantas vezes instilou manifestações de alegria pelos atentados de 11 de Setembro, na juventude há ténues sinais de esperança. São novas gerações que ambicionam a globalização por oposição ao orientalismo e que gritam às câmaras do mundo, como se viu numa anónima jovem Líbia em celebração da sua Liberdade, que jamais querem viver debaixo do chão mas sim à superfície. A questão é saber se na era da globalização serão capazes de importar a cidadania livre que Péricles, antes de Cristo, e muito antes de Maomé, definiu como a prática da "liberdade e tolerância na vida privada e a obediência à lei nos assuntos públicos". Uma lei igual para todos, e na respectiva proporção, capaz de levar ao banco dos réus do Tribunal Penal Internacional o inominável "cão raivoso" Líbio, mas também todos os "cães" de raça e pedigree ocidental, alguns deles lusitanos, que sem asco pelo sangue alheio quiseram sempre meter a mão nos negócios oleosos com Kadhafi. Mas essa é outra utopia para uma "festa" que nunca se fará e mais rapidamente os cúmplices do passado serão já amanhã as testemunhas de acusação de um criminoso congénito que incensaram enquanto teve poder. É uma boa parábola para a hipocrisia das relações políticas ainda que à escala da diplomacia internacional.

João Nuno Almeida e Sousa na edição de hoje do Açoriano Oriental

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