quinta-feira, maio 31

Tabacaria Açoreana

TABACARIA AÇOREANA

É esta a minha rua – decidi
eu, por razão nenhuma.
Um grupo local, já velho, discute
diariamente política nacional.
Indiferente, e não menos assíduo,
o cão branco ladra (ou pede afagos?)
na varanda por caiar da casa em frente.

E há tabacos, jornais, revistas,
uma espécie de jardim
onde os fantasmas se riem
da nossa rude e descrente democracia.

De quando em quando, um vulto
suspeito pede-me lume, light,
algo que já não «bruxuleia firme»
– ou os rigorosos vinte cêntimos
que prefiro recusar, num sorriso coxo.

O cão recolhe-se. Não se lembra
do tempo em que a Casa das Palmeiras
trazia fausto e povo rico a esta rua
que se tornou tão minha.

Mesmo que não regresse.


Manuel de Freitas, Portas do mar, edição do Autor, 2011,
com capa e ilustração de Urbano.

Dear Friend...

Travelling abroad; Fine art performing; Gorgeous living elsewhere; Killing or being killed; Dwindling dramatically; Doing whatever your pleased... Do not ever forget the question:




quarta-feira, maio 30

Roteiro Cultural dos Açores


Já está disponível nas livrarias e lojas de cultura o Roteiro Cultural dos Açores que contou com a coordenação científica do Prof. António Machado Pires. Um objecto de divulgação cultural mas que se assume como um meio de "potenciar os Açores como destino privilegiado do turismo cultural". A explorar.

ALARME! (Inesperado?)

Mais um sinal de alarme, que é como quem diz: mais um momento quente numa Europa cada vez mais fria.

Não conheço os números mas julgo poder afirmar que, para Portugal, um eventual colapso da economia espanhola pode representar um forte revés na actual política económica portuguesa, pela relativamente forte dependência que mantemos em relação à nação que, em tempos, se confundiu com a nossa.

No entanto, se tal vier a acontecer, o projecto europeu, como um gato, perde mais uma vida e, nas TVs, lavaremos - vezes sem conta - com todos os "pica-miolos" do costume. No entanto, encerro um parvo consolo: veremos o "Lince Ibérico", comparado ao "Tigre Celta", a olharem como uns pacóvios para umas quantas chitas cada vez mais predadoras.

E o pior é que "quanto mais gatos, mais ratos"

terça-feira, maio 29

Banalidades de hoje, a ferro e fogo ontem.

Para o Nuno, pois, tanto quanto se lembrou o avô, a primeira vez do hino Regional não foi na 3.


Partilhando a homenagem, fica a nota que esta foto deu lugar a nova entrada porque, por motivos técnicos,  não cabe na caixa de comentários do novo template.

Voto de inspirar

Ontem, Dia da Região, lembrei-me do meu avô paterno, que fez da Região e da Autonomia duas causas. Pesquisei na net o nome dele, Raul Gomes dos Santos, e fui ter a um voto de pesar da Assembleia Legislativa Regional pelo seu falecimento, a 25 de Novembro de 2006, em Ponta Delgada, em que se fala da sua "figura proeminente nos primórdios da nossa Autonomia Democrática, numa altura em que quase tudo estava por fazer na Região Autónoma dos Açores" e de um "homem de grande tenacidade, bom senso e apurado sentido de justiça". Podem parecer palavras vagas, adequadas à generalidades dos votos de pesar, mas sinto-as como próprias para descrever alguém marcado por um agudo sentido das suas responsabilidades e por uma bem sublinhada energia pessoal. Sempre que se fala de Autonomia lembro-me das suas conversas e histórias, dos discursos que escrevia numa letra impecável, à secretária, na sua casa junto ao Jardim António Borges (hei-de os ler e reler), dos episódios governativos que ia partilhando, alguns dos quais sobre o relacionamento nem sempre fácil com a República, na qualidade de Secretário Regional das Finanças. Cito uma passagem que se pode encontrar no livro de memórias que escreveu sob sugestão de Fátima Sequeira Dias, "Tanto Quanto Me Lembro": "Pelo que já ficou dito acerca das relações com o Poder Central, na área das Finanças, poder-se-á pensar que, exceptuado um ou outro caso, tudo corria bem e o que pedíamos, melhor, o que propúnhamos era, em geral, satisfeito. Nada mais errado. Foi sempre minguada a resposta aos apelos à solidariedade nacional que se resumiam afinal, àquilo que a lei vigente determinava, em especial quanto à suficiência dos recursos financeiros, princípio basilar da autonomia financeira. Nem nunca a Região chegou a usufruir, na prática, da aplicação de algumas das disposições expressas na Constituição(...)". O homem público não era muito diferente do cidadão e da pessoa. Do homem, simplesmente. Frontal, directo e apaixonado, pela vida, pela família, pelos Açores, aonde chegou a 27 de Maio de 1941 e de onde só saía por obrigação. E autonómo, também ele, quase até ao fim. Tomando banhos de mar durante o ano todo, jogando golfe, fazendo caminhadas no seu passo veloz, subindo os degraus dois a dois, mostrando-se sempre disponível para os seus. A política também se aprende pelos gestos de cada um e os gestos que o meu avô tinha no seu dia-a-dia continuam a inspirar-me quando se reflecte e se celebra a Autonomia. Espero que um dia inspirem também os meus filhos.

segunda-feira, maio 28

Açores

Desconhecidas para o Mundo, deram a conhecer-se a Raul Brandão em 1924.
Ontem, com uma apresentação brilhante de Vasco Pereira da Costa, no Antigo Casino Terra Nostra, Jorge Barros desvendou-as um pouco mais e, através da sempre objectiva companheira de viagem, mostra-as a uma cada vez maior legião de crentes na nossa identidade atlântica.
(Obra disponível aqui)


Hoje, em dia nosso, incrédulo fiquei eu com esta notícia no EXPRESSO sobre as nossas ilhas que, afinal, desconhecidas são também para nós.

Não somos gauleses mas, com toda a certeza, levamos César à loucura.

domingo, maio 27

> CULTURA LOW COST [2 propostas irrecusáveis]


O BARÃO de Edgar Pêra
Baseado na novela homónima de Branquinho da Fonseca e no conto “O Involuntário”, do mesmo autor, “O Barão” retrata a vida de um barão, ditador e caciquista, arrogante e controlador, misógino e cruel, uma personagem evocativa de Drácula, raramente vista no cinema português. Com excelente interpretação de Nuno Melo (Barão), Marcos Barbosa (Inspector) e Leonor Keil (Idalina), entre outros. Adaptado por Luísa Costa Gomes e Edgar Pêra, a fotografia de “O Barão” é de Luís Branquinho (neto de Branquinho da Fonseca) e a música de As Vozes da Rádio.
O Barão é exibido 2ª feira, dia 28, no 9500 Cineclube [Cine Solmar - sala2] pelas 21h30 - (0/2/4€)

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OSSO VAIDOSO
Osso Vaidoso são Ana Deus e Alexandre Soares, um projecto feito de canções simples e directas, sem grandes rodeios, em que as palavras assumem o protagonismo na companhia de uma guitarra. Um projeto musical alternativo, mas também muito poético, inspirado no poder das palavras de Regina Guimarães, Alberto Pimenta ou valter hugo mãe.
Os Osso Vaidoso actuam na Galeria/Bar Arco 8 no dia 1 de Junho pelas 23h00. (5€)

sábado, maio 26

Que coisa curiosa é a história.

Quando se pensa estar sozinho a preconizar determinado pensamento …


“(…) Em 1959, Carreiro da Costa vai ser empossado como Presidente da Comissão Regional de Turismo de S. Miguel e Santa Maria onde desenvolveria uma notável actividade dinamizadora do sector que conheceu então um impulso muito grande. Dotado de vastíssima cultura e com conhecimentos etnográficos únicos, vai apetrechar a comissão com dados documentais preciosos que os seus sucessores imediatos não souberam preservar.

(…) No final de 1962 vai realizar-se em Angra do Heroísmo a primeira reunião de Presidentes das Comissões Regionais dos Açores de que Carreiro da Costa fez notabilíssimo relatório em que foram escalpelizados todos os assuntos de interesse para o sector desde as comunicações, alojamentos, pessoal hoteleiro, ementas regionais, agências, guias e interpretes, inventários turísticos, miradouros, circuitos, monumentos, museus, bibliotecas, organismos culturais, científicos e artísticos, termas, campismo, praias e piscinas, pesca, baleias, artesanato, festas populares, higiene, receitas, relações com outros organismos, propaganda, guias turísticos, estudo de mercado e planificação, desdobráveis e bilhetes-postais. Finalizava esse notável documento com um conjunto de propostas destinadas ao prosseguimento de tal tipo de trabalhos.

(…) Em 1965 toma posse do cargo de Presidente da Câmara Municipal de Nordeste, Jose de Sousa Cavaco que vai desenvolver, no mais isolado concelho de S. Miguel, a plantação sistemática de flores à beira das estradas, ideia que vinha do seu antecessor, o Eng.º Hernâni Santos, transformando o Nordeste num lugar espectacular de beleza e encanto, obrigando os seus sucessores a manterem e a desenvolverem essa prática que se generalizou a toda a parte.

(…) Em 1970, 6000 trutas são lançadas na Lagoa das Furnas. Foram trazidas para S. Miguel pela Força Aérea Americana (…) ."

In HISTÓRIA DOS AÇORES 1935-1974, de Carlos Melo Bento

E nós? Salvaguardando as diferenças e acrescentos, o que vamos fazer? Qual será o nosso contributo?


Como se compatibiliza as vontades? Como se compatibiliza as vertentes? Como se compatibiliza as pessoas?

Será apenas um problema geracional?

E, para fechar o "meu sábado"

efémeros

Também os eixos?

A ternura dos 40. Mas, qual ternura?






Toda a minha geração se encontra no auge das suas vidas. Diz-se de quem está na casa, ou quase a lá chegar.

Nós somos todos energia. Nós somos todos experiência. Nós somos todos conhecimento, prontos a sermos postos à prova, no entanto, a frustração é o que mais nos marca neste momento de grande dificuldade (grande? Nós, se calhar, nem sabemos bem ao certo o que é a dificuldade mas, enfim).

Todos os que hoje barram os caminhos para a realização plena desta geração já quiseram mudar o mundo e, hoje, corporizam as razões pelas quais tiveram tal vontade. Será isto triste? Será isto anormal? Poderemos nós questionar se tais comportamentos são infra-humanos e se pretendem impedir que outros logrem o que uns não conseguiram?

Ontem posso ter renascido. Foi giro ver que, afinal, não sou o único (e não tem nada a haver com o olhar o céu dos Xutos). Bem sei que não podemos ambicionar sê-lo sozinho mas, de qualquer forma, foi bom perceber que há mais alguém preocupado com o contributo que a nossa geração devia estar a dar para o legado que devíamos deixar aos nossos descendentes, nesta época de forte influência globalizante do Mundo, no qual os senhores - já não da guerra mas sim da economia – nos impingem outras idiossincrasias que não as da nossa identitária existência.

Não me julguem mal mas, desisti de quase tudo em mim que envolve a contribuição de outros para que se torne pleno. Porquê? Perguntarão aqueles mais curiosos. Simplesmente, direi eu, pelo facto de procurar julgar. Deixei, contudo, de ser romântico e passei a fiar só aos meus pensamentos. Tinha tanta certeza que só eu estava certo e que todos os restantes radicavam no erro que não tinham coragem de assumir. É que, nenhum desenvolvimento sustentável se constrói em pressupostos absolutistas, credores de fiéis seguidores.

Ontem, não fui eu quem falou. Ontem não fui eu quem procurou contagiar mais alguém (até porque já me cansei de o tentar fazer sem que, na realidade, isso se traduza numa mudança de paradigma). Ontem, escutei alguém da minha idade preocupado com a (re)ge(ne)ração dos intervenientes. Ontem, ouvi atentamente as preocupações de alguém movido pela necessidade de estruturação e planificação das nossas vidas e do nosso futuro (se é que, aqui nos Açores, o podemos ambicionar). Ontem, algo de transcendente se deve ter operado em mim, pois, percebi que, também no meu físico, sou composto por uma direita e uma esquerda que me permitem caminhar em frente, embora nem sempre seguro, por acreditar que tal constatação não será suficiente para ofuscar o medo que habitualmente sentimos quando nos propomos arrasar com a concorrência, ou chegar à Lua.

De repente, percebi que toda esta alegria, toda esta excitação eram altamente voláteis, pois, a questão mantém.se: que porra posso eu fazer sozinho para convencer as pessoas a afinarem pelo mesmo diapasão? Será isto possível? Será isto desejável?

Como me parece que na mesma bitola não devem caber todos os verbos e os respectivos tempos, afigura-se necessário e, até mesmo, importante começarmos a procurar encontrar soluções de compromisso entre as várias áreas de actuação, para se procurar mitigar os erros de um passado mais ou menos recente e que não vale a pena procurar escamotear. Mais vale – digo eu, sem sequer bater no peito – corrigir a rota, também no Turismo.

Obrigado sou ao meu amigo que me fez ver que há mais alguém que, da nossa geração, parece poder começar estar em “ponto de estrada” que nada tem a haver com as SCUT que, não tarda, passarão à história.


sexta-feira, maio 25

Deram frutos a fé e a firmeza

 

É jovem a nossa autonomia. Consagrada na Constituição Portuguesa de 1976, perfaz 36 primaveras. É antigo porém este viver que faz Açorianidade. Na próxima segunda-feira a Povoação vai engalanar-se e constituir-se cenário das comemorações do Dia da Região. Vão suceder-se os escritos e as palavras botadas sobre o norte e sul do nosso rumo – a Autonomia.
Acredito que toda a palavra - sagrada que seja - é mais ou menos vã consoante o entrosamento que criemos com a sua prática. Autonomia exige relação entre os elementos do povo que sob ela se abrigue. É por isso que neste prólogo ao Dia da Região em 2012 escolho louvar todas as ações – concretas, concretizadas e concretizáveis – que sublimem (sublinhem) nas nossas vidas, no nosso quotidiano, a nossa condição comum. Porque uma ação pode ser porta-bandeira, elejo esta: 114 factos pouco conhecidos referentes ao Açores, recolhidos junto dos docentes e escolas da Região e compilados agora em e-book, disponível aqui.
A fé e a firmeza dão frutos, e este afirmar de factos dos Açores, recolhidos pelo labor daqueles que ensinam as crianças que hão de dirigir o destino da nossa autonomia, é um humilde mas importante exemplo. As consciências comuns, a mobilização em torno de um mesmo ethos, podem precisar de grandes feitos pontuais, mas não vivem sem expressões contínuas ao longo do tempo. Como qualquer relação humana, também a condição comum de Povo precisa de nutrição constante para se aprofundar. O conhecimento orgulhoso de si próprio é bom alimento, seja qual for a forma como entendamos a Autonomia. Nemésio disse-o assim no ano original de 1976:
“Seja qual for a configuração [...] que o povo dos Açores venha a tomar, o que é notável, imediatamente histórico, é o grau de consciência a que chegou da sua singularidade territorial e cívica”.
Assim saibamos viver a Açorianidade. Sem fogos-fátuos mas sempre alimentando a chama(rrita).

quinta-feira, maio 24

A Árvore da Vida


No Jardim António Borges. Na memória do mundo. Oferecendo sombra às tardes estivais, abrigo às rajadas de vento norte. Rompendo a terra, em terno desalinho. Ramagens como corações vigilantes, raízes como mãos destemidas. O regresso ao chão. Tudo o que às vezes nos falta.

quarta-feira, maio 23

Parar é Morrer

RX, Abril 2012
O encerramento do Festival Panazorean ficou marcado pela estreia, entre nós, de "É na Terra não é na Lua" o multipremiado filme/documentário do realizador Gonçalo Tocha.

As cerca de 400 pessoas que assistiram às 3 horas de exibição não saíram defraudadas. Se a duração podia, à partida, ser um entrave à mobilização de público, tal não se veio a verificar. A duração pouco conta neste filme, o tempo sim. São 3 horas de exibição pública, mas foram muitas mais as que ficaram em arquivo, como nos confidenciou o realizador na breve conversa que se seguiu à projecção de "É na Terra…". O mais difícil foi o tempo de montagem, o de construir um filme com base num 'arquivo' de 160 horas recolhidas ao longo de semanas e meses. O registo é de intimidade. A câmara não é um estranho, um intruso. Passou, sim, a ter o estatuto de mais um elemento na 'imensa família' que habita o Corvo. A deambulação inicial dá lugar à partilha dos momentos mais íntimos, do acompanhar das rotinas quotidianas, do abrir do baú da(s) memória(s), como se estivéssemos na presença de um parente distante de visita às raízes familiares. O sentido de partilha e de generosidade da população do Corvo com o Gonçalo e do Gonçalo com o público resulta em algo especial. E esse facto não tem passado despercebido a quem vê o filme, seja em Locarno, em São Francisco, Madrid ou Buenos Aires, lugares por onde tem passado e amealhado prémios. Há uma partilha de identidade(s) sem recurso a uma localização geográfica pré-determinada.

Vem esta entrada a propósito de 2 situações. A primeira tem a ver com a displicência com que, localmente, ignoramos acontecimentos culturais ímpares, que passam entre nós, com a agravante de atribuirmos notoriedade a quem ostensivamente não a tem - situação que urge alterar. Não podemos balizar tudo pelo mesmo diapasão. E esta discussão não tem nada a ver com o que é popular ou erudito. Isso é 'entretenimento' para quem não sabe ou não tem nada para dizer.

A segunda está intimamente associada ao Gonçalo, nomeadamente, no que concerne ao reconhecimento internacional que a jovem cinematografia portuguesa tem tido, nos tempos mais recentes, e do quão mal estamos em termos de Cultura na República. A falta de meios não explica tudo e não colhe. Ninguém está indiferente à redução de meios e à contenção a que estamos, todos, sujeitos (dificuldades com que o sector cultural sempre se deparou e com as quais sempre trabalhou). Estamos, sim, a falar do corte total e absoluto de verbas por opção ideológica. Uma acção que motivou a ida à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, da Assembleia da República, dos realizadores Miguel Gomes, João Salaviza e Gonçalo Tocha, para «(...) deixaram bem vincado o paradoxo. Num momento em que uma nova geração de cineastas acumula prémios em festivais internacionais de renome, o cinema em Portugal corre o risco de desaparecer (...)».

Esta e outras situações são reveladoras do estado de espírito em que vive o país, quando pequenas conquistas, da Cultura ao Estado Social, são colocadas em causa pela ausência de políticas com critérios bem definidos e, de momento, são deixadas à mercê da "livre iniciativa".

Ao contrário da ideologia vigente "o valor da Cultura não se mede pelo montante da sua conta no Orçamento" (nas palavras do escritor João Ricardo Pedro). O olhar íntimo de Gonçalo Tocha sobre a realidade de um pequeno universo de ilha é, ou permitam-me que o leia deste modo, o repositório de uma humanidade e esperança perdidas na voragem destes dias e do clima suicidário que se instalou na Europa. "Parar é morrer" disse Manoel de Oliveira na sua mensagem aos deputados da Assembleia da República. Faço minha a lucidez das suas palavras.

* Publicado na edição de 21/05/12 do AO
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terça-feira, maio 22

Ah, é?

Um Prémio Camóes para Dalton Trevisan. Não me deixa de causa espanto e admiração. E respeito pelo gesto corajoso, "fora da caixa", para usar a expressão do momento. Porque conheço Trevisan, escritor de Curitiba, cidadão do mundo, sobretudo das suas miniaturas experimentalistas. Como esta: "O velho em agonia, no último gemido para a filha: - Lá no caixão... - Sim, paizinho. - ...não deixe essa aí me beijar". Sim, só isto. Mais nada. Deixando ao leitor o desafio de tudo imaginar. Quem esse velho, quem essa filha, quem é essa aí. Mandei vir um livro dele quando me cruzei algures com um dos seus microcontos. Há violência, há um certo Brasil agreste, há personagens duras e quotidianos nada meigos nas suas histórias. Aqui e ali, também há amor. Mas o que fica mais é uma certa sujidade lacónica, uma reticência procurada, narrativas interrompidas por facas e desilusão. E sexo, bastante sexo, um sexo mais selvagem e cruel do que doce e sentimental. Trevisan - que escreveu "o escritor é irmão de Caim e primo distante de Abel" - ganhou o Prémio Camões. Apetece citar o título do seu livro (edição da Record, 1994) que reli hoje depois da notícia: "Ah, é?".

domingo, maio 20

> DOMINGO

    De repente, num domingo - François Truffaut (1983)


    DOMINGO IREI
    Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
    Contente da minha anonimidade.
    Domingo serei feliz — eles, eles...
    Domingo...
    Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo...
    Nenhum domingo. —
    Nunca domingo. —
    Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
    Assim passa a vida, Sutil para quem sente,
    Mais ou menos para quem pensa:
    Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
    Não no nosso domingo,
    Não no meu domingo,
    Não no domingo...
    Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!

   Álvaro de Campos, in "Poemas"
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Nota:
Na nova vida deste blog cabe-me publicar todos os domingos.
Por decisão exclusivamente pessoal informo os estimados leitores e comentadores deste blog de que apagarei todos os comentários aos meus posts que não digam respeito ao assunto tratado no mesmo.
Obrigado a todos por nos continuarem a acompanhar.

sábado, maio 19

G de Gastronomia

"G SPOT"


O "G SPOT", em Sintra, junto à respectiva Biblioteca, é um pequeno restaurante sem estrelas Michelin, onde, por isso, ninguém tem de queimar pneus, a travar a fundo com medo dos preços.
Manuel Moreira – dos escanções portugueses, um dos mais conceituados – é, desde há três anos, uma das jovens promessas da restauração portuguesa.
Os sócios - André Simões e João Sá, dois jovens e promissores Chefs portugueses, ambos com 24 anos e com um passado colorido (Palácio de Seteais, Shereton Porto, Casino Estoril, Hotel Bairro Alto) – cozinham, majestosamente, para o afinado gosto vínico de Manuel Moreira (que conheceram no 100 Maneiras). Tudo posto à mesa, com uma incrível selecção de vinho a copo, para gáudio do palato apurado dos seus clientes, universo dentro do qual tive a honra de me incluir recentemente.
Uma vez lá chegado – de acordo com as precisas e preciosas indicações telefónicas do prestável empregado de sala, que nos veio esperar à rua – introduzi-me com confiança e, descendo as escadas, um restaurante cool, sem extravagâncias e muito aconchegante, foi-me apresentado.
Terá sido amor à primeira vista e, sem rodeios, sem mesmo sequer namorar a carta, atrevi-me com naturalidade a aceitar a sugestão daquela noite para o menu de degustação.

Menu de Degustação
(disponível somente para mesa completa) 
Couvert
Amuse bouche
Chawan mushi de bacalhau com grelos
Pescada e copita de Porco Preto com açorda de pastinaca
Migas de couve flor, com cogumelos e pezinhos de coentrada
Crumble de gila com gelado de noz
27€00 por pessoa


Fui catapultado, sem surpresa, para outra dimensão mas, claro está, sem tirar o rabo da cadeira. Uma estranha sensação de prazer pecaminoso, pois, a satisfação de uma necessidade assim tão básica não deveria saber tão bem.
E o pecado não se ficou por aqui. Guardei para mim(!), e durante largas semanas, este cantinho do paraíso, ali por terras do Palácio Nacional da Pena.
Ontem, tive a notícia que está fully booked para este fim-de-semana e, por isso, maldosamente, fica este postal a pensar já na próxima 3ª-feira, para todos aqueles que estiverem nas redondezas:


Alameda dos Combatentes da Grande Guerra, 12 – A/B
2710-426 Sintra
Tlm: 927 508 027
e-mail: geral.gspot@gmail.com

sexta-feira, maio 18

Em Dia Internacional dos Museus

O Museu Carlos Machado comemora o Dia Internacional dos Museus de 2012 apresentando no Núcleo de Arte Sacra, a exposição da artista chilena Magaly Ponce, InSight-s: Uma Instalação em três Continentes, com inauguração hoje, 18 de Maio, pelas 18h30.

segunda-feira, maio 14

Passa esta noite no 9500


RAFA de João Salaviza
Portugal, França, 2012
Drama, M/12
Duração 25'
URSO DE OURO (curta-metragem) FESTIVAL DE BERLIM 2012
+
NANA de Valerie Massadian
França, 2011
Drama, M/12
Duração 68'
LEOPARDO DE OURO - Melhor Primeira Obra no Festival de Locarno

sexta-feira, maio 11

R.I.P.

Morreu o compositor e pianista Bernardo Sassetti
Hoje perdi um Amigo.

JNAS is leaving the blog


 "All things must end" era um teaser da melhor série de televisão de sempre : "Six Feet Under". É agora tempo de passar da negação à aceitação e, serenamente, transigir que as coisas são como são, em virtude de serem assim mesmo. Dito de outro modo : o meu tempo no : Ilhas terminou ! Resolução já tomada, como a crónica de um decesso já anunciado, mas sempre procrastinada sine die. Subitamente, num clique, eis que aqui chego, a um ponto sem retorno, motivado também pelo visceral asco a tudo o que é digital !

"You are not your job, you're not how much money you have in the bank, you're not the car you drive, you're not the contents of your wallet". Este é outro mantra que sempre me picou a escrever...mas eu também não sou apenas o JNAS do Ilhas ! De igual modo sempre esteve presente na retina da minha memória o "Fight Club" que até à data é o filme da minha vida...no sentido de que é o meu filme favorito. De certa forma é uma metáfora para a luta constante que é a vida e acho que isso acaba por justificar a minha deriva para a veneração e prática de "desportos de combate" (in casu, Judo, no qual sou um modesto 1º kyu). Eles são uma "extensão do domínio da luta", mas de forma civilizada, e até espiritualizada, o que é gratificante para um certo niilismo de quem perdeu a fé pelo caminho. Obviamente "Homo sum; humani nil a me alienum puto" e, como tal, humanamente continuarei a escrever noutros formatos, nem que seja para o meu "caderno", para o "fundo da gaveta", ou para colocar entre aspas para guardar, e revisitar de quando em vez, outras palavras que ouça enquanto leitor...condição da minha humanidade pois creio que "real man read".


Adiante : a escrita aqui, nos jornais, ou num simples mural, e quando pretende ter leitores  não deve ser um acto onanista e estéril. Sempre fiz por respeitar o Leitor e acrescentar algo ao seu dia. Entretanto, o mundo mudou, e os blogues foram substituídos pelo imediatismo das redes sociais, e até as pessoas que considerava inteligentes e interessantes estupidificam e vegetam no facebook. Como defesa, fechei a guarda, e na minha concha achei que devia escrever menos e ler mais. Dei por mim de regresso apaixonado ao papel e ao êxtase dos livros e dos alfarrabistas. Cada vez menos vou à net...apesar de passar o meu dia enclausurado numa forma "desmaterializada" de trabalhar...isn´t that fucking ironic ? O tour diário dos blogs favoritos foi cada vez menor e hoje guardo apenas devoção a alguns que glorifico mas, que por respeito aos demais, não vou aqui arrolar. Entretanto a televisão anestesia as massas e eu não consigo ver, os blogues deixaram de campear ideias e passaram a ser uma horta de vulgaridades, e todos passam o dia na realidade alternativa do facebook que, como disse, abomino. Odeio mesmo para não faltar à verdade. Porquê ? Pela devassa da vida privada, pela partilha de fotos, de uns e de outros num gang bang despudorado, pela lupanar vulgaridade, pela incapacidade de comungar ideias que não sejam mais do que um suspiro, um arroto ou um peido em forma de post ! Depois é a exposição pública de uma espécie de feira de vaidades que vai desde o "cabriozinho" comprado na Alemanha, e candongado para Portugal, à "exibiçãozinha" da mulher troféu com tantas horas de "corporación dermoestética" que tresanda a plástico, e tudo isso me enoja até às tripas. Mas é o que o "povo" gosta ! Gosta dessa promiscuidade e dessa vulgaridade que chega ao cúmulo de ser incapaz de verdadeira e corporal amizade com uma única pessoa, mas alardeia-se mais de mil "amigos" para trocar boçalidades absolutamente inanes no facebook...e o mais surpreendente é que o fazem pessoas muito mais inteligentes, cultas, e cosmopolitas do que eu ! Devo seguir-lhes os passos ? De todo ! Embora seja um "rapaz" pouco Católico sempre retive que esse putativo Deus que nos observa deu-nos o "livre arbítrio" e embora nenhum de nós seja, verdadeiramente independente, há sempre lugar para uma reserva do nosso "eu essencial". E o meu "eu essencial" grita por sair daqui !

Não o faço com egoísmo e bem sabem os leitores o muito que dei a este blog. Creio que o mesmo ficou ferido de morte com a saída do Pedro Arruda e de lá para cá arrasta-se o melhor que pode. Recentemente transformou-se num suporte de publicidade institucional, agenda cultural de ocasião, e durante muito tempo sobreviveu à minha custa e do Alexandre Pascoal. Era como se tivéssemos, eu e o Alexandre, um "casamento de conveniência"...ora se há casamentos de conveniência que custa a desfazer, ou que nunca se rompem, este, por mim, não será um deles ! Sou livre de fazer as minhas escolhas e muitas há que lamento não ter feito radicalmente. Será a melhor escolha ? Nunca o podemos saber afinal tudo se vive uma única vez ! "Nunca se pode saber o que se deve querer porque só se tem uma vida que não pode ser comparada com vidas anteriores nem rectificada em vidas posteriores.Não há forma nenhuma de se verificar qual das decisões é melhor porque não há comparação possível. Tudo se vive imediatamente pela primeira vez sem preparação. Como se um actor entrasse em cena sem nunca ter ensaiado.Mas o que vale a vida se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida ?(...) einmal ist Keinmal (Prov. Alemão) : UMA VEZ NÃO CONTA, UMA VEZ É NUNCA.Não poder viver senão uma vida é pura e simplesmente como não viver. ". Disse-o pesada e acertadamente Milan Kundera na "Insustentável Leveza do Ser"



Sei bem que o anúncio repetido e recorrente de que "ia sair", mas depois voltava sempre, era lido , porventura, como um acto pueril de um miúdo indeciso, uma cobardia de quem cogita muito e age pouco em conformidade, um padrão de um homem sem energia para se evadir e até uma expressão de um ser acomodado até nas coisas mais simples da vida. É uma leitura respeitável, mas eu tenho a minha. Seja como for até pode ser que assim seja, até ao dia...em que a inteligência emocional já não se conforma e o dique cede ao desejo de ruptura. Este não é irracional. Tem peso e um lastro que vou arrastar durante um tempo que não consigo cronometrar...mas como há quem diga que "tudo passa" até aceito que esse peso se transforme em leveza sustentável. A verdade é que o : Ilhas é hoje uma sombra do que já foi e eu não quero contribuir para essa "nuvem negra" e, se não consigo fazer melhor, resta-me dignamente sair antes que me expulsem. De certa forma sinto na pele que o JNAS do : Ilhas já morreu ; mas o seu cadáver tresanda por aí insepulto. Como não gosto de deixar o trabalho sujo para outros, e como "sou mais de fazer" do que "mandar fazer", eu próprio cuidarei de lhe dar aqui o eterno descanso. Faço-o com um largo sorriso e esta antecipada eutanásia nada tem de dramático...é natural e só peca por tardia. Como antecede não vou migrar para facebooks e quejandos, que mais não são do que "Hi5" para adultos, e para esse peditório nunca dei.

Duas notas finais : Nunca escondi ou repudiei as minhas mais veementes opiniões ! Um Homem que castra a sua consciência é um eunuco, e disso ninguém me pode acusar. Sempre assinei o que pensava, mesmo para desagrado da minha família, do meu clube, da minha congregação, ou fosse do que fosse. Nunca fui, e nunca serei, um ser gregário, mas também nunca vendi, ou sequer aluguei, a minha consciência. O que aqui escrevi, e nos jornais onde publiquei palavras, sempre o fiz sopesando as minhas responsabilidades e consciente das mesmas quando assinava por baixo, até enquanto jurista de formação. Por isso sempre me espantou o modo soez, torpe, e vil, como algumas pessoas vestiam a máscara do anonimato para atacar outras pessoas. Quantas vezes isso aconteceu neste blog ? Tantas quantas os posts aqui publicados. Mas, nunca me vitimizei dessa atitude pois não conhecendo o fácies - (ou não as querendo desmascarar) - dessas invertebradas criaturas não me poderia por elas sentir sequer beliscado. A segunda, e derradeira nota, vai para as Leitoras e Leitores deste Vosso JNAS. Embora nunca os tenha contabilizado, designadamente via "ip´s e sitemeters," sei que foram muitos e a todos estou grato. No final uma nota de reconhecimento e gratidão ao Pedro Arruda, fundador e entusiasta deste blog, que, por razões que desconheço me convidou a ser editor do mesmo. Creio que, entretanto, já se arrependeu várias vezes ! Eu só lamento que o Pedro nunca tenha separado o fosso político, partidário, e ideológico que existe entre nós, porquanto, no restante sempre tive por ele apreço pessoal e admiração pelo seu empenho nos seus projectos culturais e não só. Como ele sabe bem...sempre convivi com urbanidade com a diferença desde que a "diferença" dos outros nunca me fosse imposta. Ao Pedro Arruda sempre estarei grato por ter tido a presciência de julgar que eu poderia ter valor acrescentado para a extinta revista : Ilhas e para o Blog. Aos meus colegas de blog um longo e extensivo agradecimento pela V. indulgência, com nota reforçada ao Alexandre Pascoal, cujo respeito mútuo se consolidou, e até originou cerca de 5 anos de emissão radiofónica de "Agente Provocador" com o Herberto Quaresma, na Antena 1 e depois na malograda Antena 3 Açores. Mas,como tudo o que sai da mediania e da mediocridade nesta terra, lá cuidaram também de "fazer a folha" ao "Agente" e à "Antena 3 Açores" ... mas essa é outra história.

Não esqueço o entusiasmo e a participação do Carlos Guilherme Riley, um Senhor, que convidei para participar neste blog e que por aqui andou. Não omito tantos outros colegas de blog com quem cruzei duelos, picardias, provocações e tantos dislates, e ainda memoráveis debates, como o António José Almeida, o Ezequiel Moreira da Silva, o André Bradford, o Vitor Marques, o Carlos Rodrigues ou o Nuno Costa Santos. A todos os meus agradecimentos pelo Vosso tempo. Fora deste blog sempre tive ainda sanguínea motivação e amparo do melhor de todos os meus primos...ou, pelo menos, do meu favorito : o Nuno Barata Almeida e Sousa do foguetabraze. Bem sei que sempre privilegiou outras companhias, e idolatrou outros escribas, mas não é por isso que não lhe estarei sempre grato pelo verbo acutilante e pela leitura atenta do que escrevi. Aos demais, que aqui não cabem na lista de encómios as minhas desculpas ; aos que daqui retiram um prazerzinho pessoal que saibam que o mesmo não me é indiferente pois, sei bem quem são, e em bom rigor, faço votos que ides todos para a puta que vos pariu. Reservo-me o direito de regressar aos blogues noutra : Ilha. Até um dia noutras coordenadas. Entretanto vou passar a escrever num "caderninho de leituras" em vez de o fazer numa página electrónica. E só levo de remorso não ter finalizado o seriado "ironic" e iniciado o "ilhas de evasão"...é assim na vida : não podemos ter tudo. 

JNAS do : ILHAS
22 de Janeiro de 2003 - 11 de Maio de 2012

Pois é,

“À brandura da gente (e) à fraca força da palavra,
se deve o sofrimento..."