Saigão 1975
No Verão de 1989, meses antes da queda do Muro de Berlim, o politólogo Francis Fukuyama publicou na revista National Interest um ensaio cujo título, “The End of History?”, prognosticava o happy ending da Guerra Fria e o desmoronar da influência do bloco soviético nos seguintes termos:
What we may be witnessing is not just the end of the Cold War, or the passing of a particular period of postwar history, but the end of history as such: that is, the end point of mankind's ideological evolution and the universalization of Western liberal democracy as the final form of human government.
O cândido otimismo que ressalta desta declaração, proclamando a irrevogável globalização do modelo político das democracias liberais, seria depois contraditado por Samuel Huntington, antigo professor de Fukuyama em Harvard, num artigo dado à estampa na revista Foreign Affairs (1993), intitulado “The Clash of Civilizations?”, alertando a Nau Catrineta Ocidental para outros escolhos que a esperavam na sua rota em direção ao fim da História.
A invasão do Koweit e a Guerra do Golfo foram um primeiro sinal, sucedido pela Guerra dos Balcãs, mas nada parecia arrefecer o ecstasy político que caracterizou a civilização ocidental na década de 1990. O termo desta atmosfera fin de siécle, virado o milénio, chegou com estrondo na manhã do dia 11 de setembro de 2001, para surpresa e estupor de quase todos nós, mas não de Samuel Huntington.
Uma fação radical da Civilização Islâmica, entrincheirada nas montanhas do Afeganistão, desencadeou com o seu ataque às Torres Gémeas uma catadupa de conflitos que marcaram as últimas duas décadas e introduziu no vocabulário geopolítico o conceito de non State actor. Quase vinte anos volvidos sobre os primeiros bombardeamentos americanos no Afeganistão, desencadeados a partir da ilha de Diego Garcia (cuja história os açorianos deviam conhecer melhor), a administração de Washington acelera de forma pouco airosa a sua retirada de Cabul, despertando inevitáveis paralelismos com o Vietname e a retirada de Saigão em 1975, como destaca um artigo publicado na edição de ontem no Washington Post.
A decisão estratégica da retirada já tinha sido assumida pela administração Obama, e reiterada pela de Trump, mas calhou a fava ao Presidente Biden e isso não o livra de responsabilidades face à desconcertante rapidez com que os Talibãs reconquistaram as rédeas do poder de um Estado falhado. E, como a culpa não deve morrer solteira, importa lembrar que a NATO e a União Europeia também não ficam favorecidas no retrato.
Vai-se falar muito nos próximos tempos de retrocesso civilizacional – e com razão – mas convém não esquecer que a matriz religiosa e feudal do Afeganistão Talibã é a de uma sociedade tribal on steroids, ou 2.0 (como dizia há momentos um convidado na SIC), que não desdenhará formar alianças com a Federação Russa e a China. A ver vamos.
Francis Fukuyama tinha razão numa coisa: o ponto de interrogação no final do título do seu ensaio. A História não acaba, as marés é que mudam ... e estão cada vez mais vivas.