André Ventura é muitas coisas, mas se há dom que não creio que tenha são poderes premonitórios. No entanto, foi dele a declaração que adivinhou o resultado das eleições de Domingo passado. “Um terramoto”! Se calhar mesmo, um verdadeiro abalo tectónico na tessitura político-partidária da região.
Para o PS e para Vasco Cordeiro estas eleições começaram, provavelmente, a ser perdidas em 2012. A verdade é que Vasco Cordeiro nunca conseguiu afirmar plenamente uma identidade própria dentro do projecto socialista, tanto no Governo, como no próprio partido. A herança Cesarista, que no partido nem herança foi, mas antes uma presença e um dominio constante, nunca permitiram que Vasco Cordeiro marcasse uma liderança, uma estratégia e uma personalidade própria que lhe possibilitasse autonomizar a sua governação dos 24 anos de governação socialista. Isto pode parecer incongruente, mas essa ligeira nuance, a governação e o partido de Vasco Cordeiro, teria feito, certamente, toda a diferença. O PS e a governação socialista foram sempre de Carlos Cesar e nunca de Vasco Cordeiro. Isso viu-se na longevidade de Sérgio Ávila, na omnipresença de Carlos Cesar, na incompreensível e absurda telenovela da “Casa da Autonomia” e da sua Estrutura de Missão comandada à tripa forra por Luísa Cesar e na ascensão e autoridade desenfreada de Francisco Cesar. Ao mesmo tempo, causa igual tristeza e estranheza a forma como Vasco Cordeiro foi, sucessivamente, triturando figuras com gabarito, validade intelectual e política, competência e projecção na sociedade açoriana. Desde os Governos, às listas de deputados, às empresas públicas e tantos outros cargos com maior ou menor visibilidade, a fúria autofágica de Vasco Cordeiro criou um imenso exército de descontentes e de ressentimentos. Assim de cabeça lembro-me de nomes como Fagundes Duarte, Piedade Lalanda, Luís Cabral, Nuno Domingues, Pilar Damião, João Roque Filipe, Nuno Mendes, Miguel Cymbron, António Gomes de Menezes, Fausto Brito e Abreu. E, mais recentemente, os casos de Filipe Macedo ou da limpeza nas listas de deputados, que correu, sem apelo nem agravo, com Renata Botelho, Graça Silva e Sónia Nicolau, sem que se soubesse da mais pálida justificação. Ao mesmo tempo, que uma série de outras figuras eram candidamente protegidas e apaparicadas, fossem quais fossem, e foram muitas, as asneiras, para usar um termo suave, que cometessem. De que, para mim, o caso mais dramático e paradigmático foi a dupla Vitor Fraga e Francisco Coelho. Um mistério que só possivelmente a história elucidará…
O caso das listas de deputados merece um breve comentário. Não sei porque cargas de água criou-se uma ideia de que as ditas listas, em lugar de serem feitas por pessoas competentes, sejam militantes ou independentes, têm de ser espelhos mais ou menos turvos da diversidade geográfica e socioprofissional das ilhas. Em lugar de ter um grupo coeso de políticos, as listas de deputados tornaram-se numa sopa da pedra, feita de personalidades avulsas, cuja mais valia política é a fama na junta, no clube de futebol, na agremiação e no café da freguesia ou até, como nesta última, no Youtube… o resultado final e mesmo contando os lambe-botas e os vira-casacas são grupos parlamentares de fraquíssima qualidade, como é agora o caso do futuro grupo parlamentar do PS. Embora, diga-se que, neste particular, o PSD é igual…
Se juntarmos a isto tudo a Governação errante, os dossiers polémicos, as suspeições judiciárias e, piece de resistance, a debacle da SATA, ou a malfadada Covid, tudo estava lá para pressupor que a noite de 25 seria amarga para o PS, embora, nem mesmo eu acreditasse que podia ser tão amarga. Vasco Cordeiro chega assim ao seu último mandato, se é que o vai ser, e para usar a imagem do timoneiro, que ele próprio escolheu, como um naufrago, desidratado e andrajoso, lançado sobre a areia da praia, arfando por água, sombra e cuidado. Com menos 5 deputados, sem tábua de salvação à esquerda e com a direita enraivecida e salivante, silvando como hienas, pelo sangue socialista, as hipóteses de formar um governo estável são praticamente nulas. Tirando, obviamente, a possibilidade de, humildemente, propor um entendimento ao centro. Um governo de Bloco Central, com Bolieiro a Vice-presidente, mais uma ou duas pastas para o PSD, inclusive dando-lhes a presidência da ALRAA e estendendo esse entendimento à sociedade civil, numa grande coligação autonómica para navegar essa imensa tempestade económica e social que aí vem. Se qualquer dos protagonistas ou dos partidos que estão neste momento na contenda puser, de facto, os interesses da região à frente dos do seu partido ou dos seus pessoais, era isto que devia fazer. E daqui a quatro anos, queira Deus já sem Covid, quem tiver as melhores unhas tocará sozinho a guitarra. Qualquer tentativa de governar isolado ou em coligações negativas morrerá à primeira dificuldade que, ou muito me engano, será já a breve trecho com o borregar da SATA…
Quanto à suposta maioria de direita a verdade é que ela não existe. O que há, neste novo quadro parlamentar, é uma maioria anti-PS. Sendo que, para além disso, o CHEGA não é de direita. O CHEGA é de extrema direita! E, embora seja aceitável a sua presença no parlamento, é a vontade de 5% dos eleitores, não é já, de forma alguma, admissível que os restantes partidos se aproveitem do CHEGA, legitimando com esse gesto o fascismo latente do partido do Dr. Ventura, para assaltar o poder. Por outro lado, embora muitas das suas principais figuras venham do CDS e do PSD, é um erro pensar que a Iniciativa Liberal encaixa nas visões tradicionais de esquerda e direita. Tal como, também tenha as minhas duvidas, que o PAN possa ser entendido como um partido de esquerda. A haver um entendimento das direitas, não será uma maioria, nem tão pouco uma geringonça, será antes uma coligação negativa com o único intuito de tirar o PS do poder e acabar, de uma vez por todas, com o reinado da família Cesar. Embora, neste último particular, eu até possa estar de acordo com a necessidade política desse culminar, essa não será certamente a forma correcta de o fazer e seria, proverbialmente, deitar fora a região com a água do banho…
Quem tem, neste momento, a responsabilidade de fazer as pazes com o seu passado, deixando no passado o que lá deve estar, com o que de bom e de mau as suas lideranças tiveram, é o próprio Partido Socialista. Há uma democracia interna para conquistar dentro do Partido Socialista dos Açores, e essa libertação, se não for iniciada pela liderança tem que o ser pela militância. Figuras como Cristina Calisto, Rodrigo Oliveira, ou mesmo Andreia Cardoso, são hoje esperanças para um futuro PS, que seja mais solidário, mais aberto e mais justo.
Esperemos para ver. Os próximos tempos
políticos destas nove ilhas serão certamente duros, mas indubitavelmente interessantes. Viva a
Democracia! E, agora mais do que nunca, Viva o PS!