segunda-feira, setembro 10

A iniquidade desmedida das medidas

Depois do anúncio das novas medidas de austeridade de Passos Coelho na passada sexta-feira o país ficou novamente em choque.
Aquilo que fica claro é que o Governo de Passos Coelho escolheu definitivamente que seriam os trabalhadores e pensionistas a pagar a factura da crise.
Os trabalhadores tanto do setor público como do setor privado passam a estar sujeitos a uma taxa de contribuição para a Segurança Social de 18%, o que representa um aumento de 7%.
Depois do Acórdão do Tribunal Constitucional, que declarou a inconstitucionalidade do corte nos subsídios de férias e de Natal do sector público, com o argumento de que “se traduzia na violação do princípio da igualdade”, o governo decidiu manter o corte de um dos subsídios aos trabalhadores do setor público, e devolver o valor do segundo subsídio a estes trabalhadores distribuindo-o pelos doze meses. Os pensionistas e os reformados continuam sujeitos ao corte dos dois subsídios.
Na prática, e tendo em conta ambas as medidas, os funcionários públicos continuarão a ver cortados dois meses do seu salário, enquanto os privados passam a estar sujeitos também a um corte equivalente a uma remuneração mensal.
Já as empresas veem a Taxa Social Única ser reduzida de 23% para 18%.
Ora estas medidas são ilegítimas, más, injustas e inconstitucionais!
Ilegítimas, porque nunca foram a votos, ou melhor, quando foram a votos o que foi dito foi exactamente o contrário do que está a ser feito. Passos mentiu sobre o IVA, mentiu sobre os subsídios de férias e de natal, mentiu sobre o “basta austeridade”, mentiu, mentiu e mentiu. Fartou-se de mentir. O programa eleitoral que os portugueses votaram não é o mesmo que o Governo põe em prática. E isto, em Democracia, fere de morte a legitimidade do Governo.
Más, porque está à vista que as medidas propostas não são eficazes. Mesmo com toda a austeridade do Orçamento de 2012, o Governo tem agora um buraco de 2 mil milhões de euros que não sabe como resolver, tem uma recessão que não vemos fim à vista e um desemprego nunca antes visto no país.
Injustas, porque escolhem taxar apenas os rendimentos provenientes do trabalho e o direito de quem durante anos descontou para uma pensão de reforma. Nem pensar em mexer nas rendas garantidas que alguns sectores têm, parcerias público-privadas, medidas de taxação sobre o capital e os lucros… Nunca nenhum governo em Portugal agiu tanto como um Robin Hood ao contrário: tirar aos pobres para dar aos ricos parece ser a motivação primária destas medidas. Do lado do trabalho mais e mais sacrifícios, do outro lado não só não se pedem sacrifícios como até se reduz a TSU… Uma coisa é ser Liberal, outra coisa é aproveitar-se dos poderes do Estado para favorecer alguns. Isto é imoral.
Inconstitucional, pois claro… Se viola os princípios mais básicos da repartição de sacrifícios e da equidade a resposta do TC só poderá ser uma. Só se espera que Cavaco faça o que jurou fazer – defender a Constituição! – e que não tenhamos de assistir a um TC a decidir tarde e salvaguardando efeitos de normas que reconhece como inconstitucionais (como já vimos acontecer) por razões extrajurídicas.
Temos de fazer qualquer coisa. O único caminho é a indignação e a resistência.

6 comentários:

Anónimo disse...

Caro José Couto
Mais uma vez um texto oportuno, lúcido e escrito de forma clara, expressiva e inteligente.
Assinava por baixo mas não lhe quero retirar a autoria, só acrescento 2 ideias, a 1º. è que este governo não é liberal(se tomarmos o liberalismo à letra) o que ele é, é peão do capital, usa o governo para influenciar(não para todos os privados)mas para uma casta de privados, é como se fosse uma máfia, que serve a quem lhe dá cobertura, os poderosos, quer sejam nacionais ou internacional...
A segunda ideia é que já demonstraram à saciedade, que são incompetentes, obstinados e cegos, se não for o Povo a lhe dar o tratamento necessário eles farão em "fanicos" o País e o seu Povo.
Parabéns e saudações
Açor.

Anónimo disse...

Caro José Couto
É curioso saber o que o medo e a alienação faz às pessoas?
Realmente uma situação tão desesperada como a que estamos a viver, com um governo fundamentalista, obcecado e cego com a austeridade e o défice, tem feito transparecer nas pessoas o complexo de carneiro que há em cada um...
Não acredito que esta omissão de alma humana se vai manter para sempre, acredito antes que esta bomba publicitária e de marketing politico, vai acabar, é tudo uma questão de tempo...
Não deixa de ser impressionante a quase omissão de comentários, face a um post tão oportuno e que trata duma realidade dum governo do PSD/CDS que está a destruir a vida dos Portugueses, quer eles vivem nos Açores na Madeira ou em "Portugal"!...
Mas à realidade publica nem sempre reflecte a revolta que existe em cada um de nós, sujeito a este tsunami de indignação e de atropelo aos mais elementares direitos humanos.
Penso e espero que a situação actual aparentemente calma, seja como os tempos imediatamente anteriores à ebulição em que tudo parece calmo, mas se transforma abruptamente com a transformação qualitativa da água sujeita ao calor, este tempo chegará, pois é impossível aguentar tamanha injustiça e medidas regressivas da condição humana.
Açor

ezequiel disse...

José Couto,

Passos tem medo de atacar as centenas de senhores advogados, consultores e admins das PPP's e Fundações dos (dois) principais partidos nacionais.

De facto, Açor, trata-se de uma máfia política. Quantos notáveis tugas, de Júdice a Angelo Correia e muitos outros, é que não vivem à custa das suas posições de conselheiros, consultores etc....


Alguém deveria dar-se ao trabalho de descrever minuciosamente esta imensa teia de "cumplicidades" que faria a Camorra ou a Cosa Nostra corar de vergonha e de embaraço, tal é a sofisticação da coisa. Veja lá: um dos principais problemas é o da cessação dos contractos (das PPPs e Fundações). Foram escritos pelos melhores advogados do país. A sua cessação imediata obrigaria o estado a compensar os ditos. Pois bem, o estado que invoque o mesmo "estado de excepção" a que recorreu aquando da suspensão de subsídios etc e CESSE de imediato TODAS as suas responsabilidades. Depois de limpa a casa, abolia-se a clausula relacionada com o permissibilidade constitucional do estado de excepção.

Não me canso de reiterar isto: só as PPP's foram e são responsáveis por 58 mil milhões dos 78 mil milhões (da dívida inicial)

São a MAIOR FATIA!!!!

O BE finalmente acordou e começou a enfatizar esta questão. Quanto mais o fizer, MAIS votos terá. É tão simples quanto isto.

cumps
ezequiel

ezequiel disse...

Caro Açor

Como liberal (libertário), agradeço-lhe a gentileza de não nos confundir com este governo.

Acho que é a primeira vez que leio esta correcção em Portugal, tal é o grau do consenso acerca do liberalismo.

Este governo NÃO É LIBERAL, nem NEO-LIBERAL, nem nada que se pareça sequer remotamente com o liberalismo. Este governo é CORPORATIVISTA. APoia os grandes grupos e manda as PME's, que são a grande fonte de riqueza deste país, para um buraco sem fundo.

A tendência do liberalismo mais próxima das políticas deste governo seria, claro, o neo-liberalismo economicista.

a Thatcher, o super sumo do neo-liberalismo (logo a seguir a Reagan) deixou que grandes grupos económicos se afundassem (a indústria mineira, a indústria automóvel)

Não ajudou os grandes grupos económicos desta forma.


Reagan, quando os automóveis nippon começaram a tomar de assalto o mercado Americano, levando as big three (GM,Ford e Chrysler) a pedir ajudas estatais para competir com as suas congéneres nipónicas (que produziam carros muito melhores do que os Americanos...


REAGAN recusou qualquer ajuda.

Mandou-lhes à fava.

Bem, não quero ser chato.

Boa noite
ezequiel



José Couto disse...

Caro Açor e Ezequiel,
Antes de mais quero agradecer os comentários que me costumam deixar e dizer que, embora, por opção, não seja costume comentar comentários, leio-os atentamente e são sempre para mim motivo de reflexão. Sempre, mesmo que nos antípodas do que penso.
Eu, como é bom de ver, não sou Liberal e como tal estou de acordo com a maioria das coisas que diz aqui o Açor. Mas a maior crítica que tenho a fazer a estas medidas não é sequer de carácter ideológico. O problema fundamental que aqui vejo – insisto – é que as medidas são imorais! Isto nada tem que ver com liberalismo. O que vejo é o Estado continuar a servir de instrumento de favorecimento de alguns e isto é um pressuposto que o próprio liberalismo rejeita. E se isto não devia acontecer em nenhum momento, tanto mais agora no estado em que o Estado está.
O exemplo das PPP’s é flagrante. O que diz o Ezequiel não só é o que seria razoável como é o que a própria lei prevê. Quando a lei fala em “modificação unilateral do contrato por razões de interesse público e/ou alteração das circunstâncias” prevê justamente uma prerrogativa unilateral do contraente público exatamente para situações como a que estamos a viver em termos financeiros… Havia que temer “advogados” e “efeitos protelados no tempo” se houvesse que renegociar! Mas não é o caso! Há uma prerrogativa unilateral que pode e deve ser utilizada e cuja utilização depende apenas de um despacho. Haja vontade política! (que é o que não há). Claro que a podem impugnar… mas o mundo não para por isto.
Por outro lado, ao contrário dos subsídios dos funcionários públicos em que foi necessário alterar a lei atropelando a constituição para fazer face ao tal “estado de excepção”; no caso das PPP’s esta excepção era uma possibilidade que já decorria da lei no momento em que o contrato foi assinado e a sua exequibilidade depende apenas de um acto administrativo. Mais: Enquanto na primeira se viola a legítima expectativa dos funcionários públicos (afinal tinham a integralidade do seu salário tutelado por lei), a segunda era conhecida do contraente privado no momento em que contratou com o Estado e, como tal, naturalmente, fez repercutir o risco inerente na sua proposta inicial de preço (esta é, aliás, uma das razões pelas quais os preços praticados para as entidades públicas são mais onerosos que os praticados entre entidades privadas, pois há um conjunto de prerrogativas unilaterais que o contraente público tem que na contratação entre privados não se verifica), não podendo agora alegar violação das legítimas expectativas.
Isto sim é Liberalismo: o império da lei; o precedente material de lei; a salvaguarda das legítimas expectativas… Liberalismo político, é certo… Mas sem o qual não há liberalismo económico que se preze… Enfim…
Portanto, não mexer nisto é imoral e as razões são exactamente as que o Ezequiel mencionou: partidocracia escusa do centrão. Pedir que trabalhadores e pensionistas paguem o que estes senhores ganham nas PPP’s… é injusto, é imoral e nem sequer é liberal..
Ah e não é por faltar dinheiro que as palavras deixam de querer dizer exactamente o que querem dizer…
Cumprimentos,
José Couto

Anónimo disse...

Caro José Couto
Respeitando como é óbvio, a sua opção de não contra comentar,tenho a dizer que em boa hora o fez e isto porque infelizmente nem sempre as pessoas estão predispostas à partida(sobretudo nos Açores)para dar a cara e acrescentar algo ao contraditório, o que se apresenta fundamental, nos dias que vivemos e a sua revisita, pode incentivar o dialogo...
Mais uma vez só posso estar de acordo consigo e dizer que foi uma nova luz no ilhas.
saudações
Açor