quinta-feira, setembro 13

A Ângela e milhões de nós


A Ângela Crespo tem 32 anos e retrata de forma concreta muitos de nós. À Ângela, "contas feitas, aqui neste T2 onde vivemos, levaram-nos o dinheiro de um infantário". A Ângela ainda não é mãe, mas é certo que assim também não vai ser. Depois de sexta-feira, ruíram as esperanças de não estarem a matar de vez o país: no curto, no médio e no longo prazo. Este eco é para todos nós mas da minha parte vai com impulso redobrado para as Ângelas mães e funcionárias públicas. 

Eis o que escreveu a Ângela - pode querer ler aqui ou nos vários blogs que estão neste momento a ecoar este texto (não é hora para considerar prioritária a originalidade). Ou pode querer ler no original, aqui.

Vão-se foder.

Na adolescência usamos vernáculo porque é “fixe”. Depois deixamo-nos disso.

Aos 32 sinto-me novamente no direito de usar vernáculo, quando realmente me apetece e neste momento apetece-me dizer: Vão-se foder!

Trabalho há 11 anos. Sempre por conta de outrém. Comecei numa micro empresa portuguesa e mudei-me para um gigante multinacional.

Acreditei, desde sempre, que fruto do meu trabalho, esforço, dedicação e também, quando necessário, resistência à frustração alcançaria os meus objectivos. E, pasme-se, foi verdade. Aos 32 anos trabalho na minha área de formação, feliz com o que faço e com um ordenado superior à média do que será o das pessoas da minha idade.

Por isso explico já, o que vou escrever tem pouco (mas tem alguma coisa) a ver comigo. Vivo bem, não sou rica. Os meus subsídios de férias e Natal servem exactamente para isso: para ir de férias e para comprar prendas de Natal. Janto fora, passo fins-de-semana com amigos, dou-me a pequenos luxos aqui e ali. Mas faço as minhas contas, controlo o meu orçamento, não faço tudo o que quero e sempre fui educada a poupar.

Vivo, com a satisfação de poder aproveitar o lado bom da vida fruto do meu trabalho e de um ordenado que batalhei para ter.

Sou uma pessoa de muitas convicções, às vezes até caio nalgumas antagónicas que nem eu sei resolver muito bem. Convivo com simpatia por IDEIAS que vão da esquerda à direita. Posso “bater palmas” ao do CDS, como posso estar no dia seguinte a fazer uma vénia a comunistas num tema diferente, mas como sou pouco dada a extremismos sempre fui votando ao centro. Mas de IDEIAS senhores, estamos todos fartos. O que nós queríamos mesmo era ACÇÕES, e sobre as acções que tenho visto só tenho uma coisa a dizer: vão-se foder. Todos. De uma ponta à outra.

Desde que este pequeno, mas maravilho país se descobriu de corda na garganta com dívidas para a vida nunca me insurgi. Ouvi, informei-me aqui e ali. Percebi. Nunca fui a uma manifestação. Levaram-me metade do subsídio de Natal e eu não me queixei. Perante amigos e família mais indignados fiz o papel de corno conformado: “tem que ser”, “todos temos que ajudar”, “vamos levar este país para a frente”. Cheguei a considerar que certas greves eram uma verdadeira afronta a um país que precisava era de suor e esforço. Sim, eu era assim antes de 6ª feira. Agora, hoje, só tenho uma coisa para vos dizer: Vão-se foder.

Matam-nos a esperança.

Onde é que estão os cortes na despesa? Porque é que o 1º Ministro nunca perdeu 30 minutos da sua vida, antes de um jogo de futebol, para nos vir explicar como é que anda a cortar nas gorduras do estado? O que é que vai fazer sobre funcionários de certas empresas que recebem subsídios diários por aparecerem no trabalho (vulgo subsídios de assiduidade)?… É permitido rir neste parte. Em quanto é que andou a cortar nos subsídios para fundações de carácter mais do que duvidoso, especialmente com a crise que atravessa o país? Quando é que páram de mamar grandes empresas à conta de PPP’s que até ao mais distraído do cidadão não passam despercebidas? Quando é que acaba com regalias insultosas para uma cambada de deputados, eleitos pelo povo crédulo, que vão sentar os seus reais rabos (quando lá aparecem) para vomitar demagogias em que já ninguém acredita?

Perdoem-me as chantagem emocional senhores ministros, assessores, secretários e demais personagem eleitos ou boys desta vida, mas os pneus dos vossos BMW’s davam para alimentar as crianças do nosso país (que ainda não é em África) que chegam hoje em dia à escola sem um pedaço de pão de bucho. Por isso, se o tempo é de crise, comecem a andar de opel corsa, porque eu que trabalho hé 11 anos e acho que crédito é coisa de ricos, ainda não passei dessa fasquia.

E para terminar, um “par” de considerações sobre o vosso anúncio de 6ª feira.

Estou na dúvida se o fizeram por real lata ou por um desconhecimento profundo do país que governam.

Aumenta-me em mais de 60% a minha contribuição para a segurança social, não é? No meu caso isso equivale a subsídio e meio e não “a um subsído”. Esse dinheiro vai para onde que ninguém me explicou? Para a puta de uma reforma que eu nunca vou receber? Ou para pagar o salário dos administradores da CGD?

Baixam a TSU das empresas. Clap, clap, clap… Uma vénia!

Vocês, que sentam o já acima mencionado real rabo nesses gabinetes, sabem o que se passa no neste país? Mas acham que as empresas estão a crescer e desesperadas por dinheiro para criar postos de trabalho? A sério? Vão-se foder.

As pequenas empresas vão poder respirar com essa medida. E não despedir mais um ou dois.

As grandes, as dos milhões? Essas vão agarrar no relatório e contas pôr lá um proveito inesperado e distribuir mais dividendos aos accionistas. Ou no vosso mundo as empresas privadas são a Santa Casa da Misericórdia e vão já já a correr criar postos de trabalho só porque o Estado considera a actual taxa de desemprego um flagelo? Que o é.

A sério… Em que país vivem? Vão-se foder.

Mas querem o benefício da dúvida? Eu dou-vos:

1º Provem-me que os meus 7% vão para a minha reforma. Se quiserem até o guardo eu no meu PPR.

2º Criem quotas para novos postos de trabalho que as empresas vão criar com esta medida. E olhem, até vos dou esta ideia de graça: as empresas que não cumprirem tem que devolver os mais de 5% que vai poupar. Vai ser uma belo negócio para o Estado… Digo-vos eu que estou no mundo real de onde vocês parecem, infelizmente, tão longe.

Termino dizendo que me sinto pela primeira vez profundamente triste. Por isso vos digo que até a mim, resistente, realista, lutadora, compreensiva… Até a mim me mataram a esperança.

Talvez me vá embora. Talvez pondere com imensa pena e uma enorme dor no coração deixar para trás o país onde tanto gosto de viver, o trabalho que tanto gosto de fazer, a família que amo, os amigos que me acompanham, onde pensava brevemente ter filhos, mas olhem… Contas feitas, aqui neste t2 onde vivemos, levaram-nos o dinheiro de um infantário.

Talvez vá. E levo comigo os meus impostos e uma pena imensa por quem tem que cá ficar.

Por isso, do alto dos meus 32 anos digo: Vão-se foder.

5 comentários:

Anónimo disse...

bem dito

sim senhora.

clap clap clap

http://expresso.sapo.pt/governo-nao-sabe-onde-cortar-na-despesa=f752926

ezequiel disse...

esqueci-me de assinar por baixo (acima)

um texto corajoso e lúcido, Lisa!!

fantástico

cumprimentos

ezequiel

Anónimo disse...

Cara Liza Garcia
Trazer à luz do dia as "Angelas" deste País, também é serviço publico, e é antes do mais a afirmação que somos muitos e variados, mas todos podemos pensar e o pormo-nos à injustiça da mais vária forma...
Eu sugeria no Ilhas precisamente que fizessem chegar a vossa posição das mais variadas formas pois esta seria a forma de mostra-mos que estamos vivos...
Não acredito que tenhamos passado do 8 para o oitenta, mas acredito que tenhamos dado passos no sentido de compreender que este governo é composto de testas de ferro falhados ao serviço de interesses obscuros que visam transformar o país num caos e com isso realizar proventos inconfessáveis...
A contestação ainda é uma criança, mas vai crescer e derrotar este governo e aquilo que ele representa...
Saudações a todos e parabéns Liza por trazer á luz do dia esta Ângela da nossa solidariedade.
Açor

Lisa Garcia disse...

Meus caros, obrigada. Quis trazer a voz de alguém real e que teve a capacidade de nos refletir basicamente a todos naquilo que escreveu. Nestas alturas, a indignação daqueles que comentam usualmente (políticos, comentadores políticos, opinion makers do costume) não têm metade do valor da voz de quem realmente faz o país: no trabalho, nas compras, no ir e vir de infantários, no fazer o jantar - no viver.
A propósito, considero escandalosa a ausência, na manifestação de ontem, das cabeças políticas. Os mesmos que não largam a porta dos eleitores para os chamarem para ações de campanha na proximidade de eleições fizeram-se notar pela ausência quando a ação de campanha é a mais genuína: a das pessoas.

Abraços

Anónimo disse...
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