De uma forma geral, o debate do Programa do Governo, que por estas horas se aproxima do fim, na lowryana cidade da Horta, foi uma penosa via sacra de vacuidade e pobreza, pontuado, aqui e ali, por iguais doses de cinismo e espuma na boca. De facto, das duas principais bancadas, Governo e Direita que o sustenta, o que saiu foi, quase sem excepção, um enorme rol de clichés e de pretensões pueris, vazias de qualquer concretização, calendarização ou objectivo. À imagem, enfim, do texto do próprio documento em discussão. Em harmonia, uma série de rounds de pugilismo político, dignos de um título mundial de pesos mosca. Bastos e Silva, no canto do Governo, foi o campeão desta táctica do soco abaixo da cintura no adversário que já está no chão com o triste e lamentável episódio SATA. E, na frente da bancada do vetusto PPD, Pedro Nascimento Cabral, sempre de faca na liga e mão na anca, qual varina da Ribeira, sempre pronto a enxovalhar o anterior Governo numa obsessão pavloviana com o seu próprio passado de oposição e tão, mas tão pouco com o futuro, o seu, o nosso e o da Região. Falhou, redondamente, a Direita na percepção de que, tomada a posse da governação, o que menos importa aos açorianos é o lavar de roupa suja político dos traumas da anterior maioria. Não se bate em quem já está no chão, fica feio e conspurca. Para além de que, o prazo de validade desse passa culpa, aos olhos do comum eleitor, é tão curto quanto a ponta do fósforo que se apaga à primeira brisa do próprio movimento que o acende.
Do outro lado, o Partido
Socialista, sofre de um incurável mal a que chamaria o Paradoxo Cesar. Independentemente
da inteligência e boa-vontade de Andreia Cardoso ou Miguel Costa, ou do
esforçado empenho da restante bancada, a verdade é que os pesos pesados da sua
representação parlamentar são, obviamente, Vasco Cordeiro e, não surpreendentemente,
mas infelizmente, Francisco Cesar. Quem, mesmo que de passagem ou nos resumos noticiosos,
tenha assistido aos debates não pode deixar de compreender as qualidades
tribunícias de ambos e, em particular, de Francisco Cesar. De toda a secção do
debate dedicada à pasta do Turismo a melhor intervenção, com mais conteúdo e
articulação, foi sem sombra de dúvida aquela que o ex-líder de bancada socialista
fez da tribuna. Embora, em face da inanidade da prestação do Secretário da
pasta, tal não fosse difícil. Ora é aqui que reside o paradoxo, é que os
melhores assets desta bancada parlamentar são exactamente aqueles que pior
fazem ao Partido. Embora sejam os deputados mais bem preparados e com maiores
qualidades políticas para o cargo são, tragicamente, os que impedem o PS de
fazer uma oposição livre das amarras do passado governativo do Partido. E são,
também, os que abrem o flanco aos ataques esganiçados da Direita, como se assistiu,
à exaustão, nestes longos três dias de penoso combate, perdão, de debate. A
mera presença de Vasco Cordeiro, Francisco Cesar e Sérgio Ávila, entre outros
representantes da herança governativa do passado, no parlamento regional impossibilita
que o foco do debate se fixe no actual Governo, permanecendo, tal como já percebemos
que a Direita insistirá, ad nauseam, nos lugares obscuros, nas sobrancerias,
nos autoritarismos, prepotências e arbitrariedades e em mais todos os pequenos
e grandes erros dos 24 anos de governação do Partido Socialista, numa dolorosa
passos-coelhização da vida política regional, que não terá fim enquanto o Partido
não fizer essa imperiosa introspecção. O Paradoxo Cesar é essa circunstância
inusitada de o melhor que o Partido tem no parlamento regional ser exactamente aquilo
que o impedirá de regressar ao poder nos Açores.