quinta-feira, outubro 13
Um português que não esperou por D. Sebastião
Não sei se retomo a minha presença por esta casa.
Mas seja como for, não resisto a "postar" um texto de Miguel Sousa Tavares sobre António Guterres, o grande senhor nações unidas (não a tendo visto por aí escrita, posso assumir legitimamente a paternidade da expressão).
"Maior que Portugal", diz Miguel Sousa Tavares:
"Meço a frase com todo o cuidado: António Guterres é um dos raros portugueses de quem eu, convictamente, posso afirmar que é maior do que Portugal. Ele e Mário Soares são os únicos políticos portugueses que, em 40 anos de andanças jornalísticas, vi serem conhecidos e reconhecidos lá fora. O seu extraordinário desempenho na candidatura a secretário-geral da ONU, apesar dos tão invocados esforços diplomáticos e influências movidas, deve-se, única e exclusivamente, ao seu mérito próprio. Ela só foi possível porque, num processo aberto e fundado na qualidade de cada candidato, António Guterres foi, de longe, o melhor. E isso é, desde logo, uma característica que o faz diferente da nossa maneira de ser: ousar bater-se e conseguir triunfar pelo mérito próprio, exclusivamente.
Mas seja como for, não resisto a "postar" um texto de Miguel Sousa Tavares sobre António Guterres, o grande senhor nações unidas (não a tendo visto por aí escrita, posso assumir legitimamente a paternidade da expressão).
"Maior que Portugal", diz Miguel Sousa Tavares:
"Meço a frase com todo o cuidado: António Guterres é um dos raros portugueses de quem eu, convictamente, posso afirmar que é maior do que Portugal. Ele e Mário Soares são os únicos políticos portugueses que, em 40 anos de andanças jornalísticas, vi serem conhecidos e reconhecidos lá fora. O seu extraordinário desempenho na candidatura a secretário-geral da ONU, apesar dos tão invocados esforços diplomáticos e influências movidas, deve-se, única e exclusivamente, ao seu mérito próprio. Ela só foi possível porque, num processo aberto e fundado na qualidade de cada candidato, António Guterres foi, de longe, o melhor. E isso é, desde logo, uma característica que o faz diferente da nossa maneira de ser: ousar bater-se e conseguir triunfar pelo mérito próprio, exclusivamente.
Conheci pessoalmente António Guterres
quando ele era líder da oposição socialista ao último governo de Cavaco Silva.
Convidou-me para irmos almoçar no seu restaurante favorito, na Praça das
Flores, e a partir daí, durante cerca de um ano, almoçávamos uma vez por mês,
tendo cada almoço uma espécie de tema predefinido —
para o qual ele vinha incrivelmente preparado, documentado e com ideias firmes
que queria confrontar com as minhas. Mas, por favor, não façam confusão: eu não
sou o arquiteto Saraiva, cuja ideia de jornalismo se resume aos almoços que tem
com os políticos para satisfação do ego e memória futura. Detesto almoços de
trabalho em geral e almoços com políticos em particular. Mas Guterres era
diferente: estava na oposição, tinha vontade de discutir e de se confrontar a
si próprio e um genuíno espírito de serviço público que eu nunca antes tinha
conhecido. Nunca, em 40 anos de jornalismo, encontrei alguém em Portugal que
estivesse mais bem preparado e motivado para governar —
e eu sempre pensei e penso que governar Portugal, de acordo com aquilo em que
se acredita ser melhor para o país, é o pior emprego que se pode ter.
Então,
Guterres foi para primeiro-ministro. E, logicamente, os nossos almoços
acabaram: porque ele deixou de ter tempo para isso e porque a natureza da nossa
relação mudou necessariamente. Mas um dia telefonou-me para que eu fosse
almoçar em São Bento. Foi um almoço estranho, que durou umas quatro horas e em
que a maior parte do tempo foi gasta a falar da vida e de assuntos pessoais.
Lembro-me de uma frase premonitória que ele disse e que eu retive pela
convicção com que foi dita: “Não vou ficar aqui muito tempo e quando sair vou
querer dedicar-me a qualquer coisa no domínio internacional, no campo dos
direitos humanos ou semelhante.” Saiu com um pretexto absurdo, cansado dos
facas longas do PS, da pequena intriga da política e da mesquinhez do país. Não
o disse assim exatamente, mas eu sinto que foi isso que pensou quando falou do
“pântano”. E eu, que lhe dediquei um livro de crónicas políticas intitulado
“Anos Perdidos”, eu, que então não lhe perdoei não ter querido arrostar até ao
fim com a luta contra os nossos males mais profundos, enquanto seu admirador
pessoal, compreendi bem a sua desistência e, do fundo do coração, desejei-lhe
toda a sorte do mundo.
E hoje
ele é o secretário-geral do mundo. Não sei se os portugueses se dão bem conta
daquilo que António Guterres conseguiu para Portugal. Representa bem mais do que
as Bolas de Ouro de Cristiano Ronaldo, o título europeu da Seleção e até o
Nobel de Saramago.
Não haverá
multidões à sua espera no aeroporto, desfile de vitória até aos jardins do
Palácio de Belém, sumidades e autoridades a chegarem-se à frente e a quererem
fazer selfies com ele. Mas nos últimos 50 anos, pelo menos, nenhum português
nos deu mais motivos de orgulho do que ele. E conseguiu-o através da atividade
que o português comum mais gosta de desprezar: a política. Parabéns e obrigado,
António Guterres!"
E eu assino por baixo!
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