terça-feira, abril 21
quinta-feira, abril 9
O sectarismo que liquida a memória
Saldanha Sanches foi meu professor. Guardo dele a imagem de
um homem livre e desassombrado, independente e de uma
integridade de carácter inquebrantável. A sua biografia fala por si. Um
professor culto, com sentido pedagógico, que não faltava às aulas, nem a qualquer
das suas obrigações lectivas. Usava gravatas roxas com calças verde cana e
achava que estava bem. Marimbava-se para estas coisas do “parecer bem”.
Fez-me oral de Direito Fiscal e, a páginas tantas,
perguntou-me o que achava que ia acontecer depois do Estado Social.
Respondi-lhe que depois do Estado Social era o “estado a que nós chegamos”. Ele
fartou-se de rir e, depois de enxugar as lágrimas, olhou para os papéis e balbuciou
um “fez a sua oral”. Subiu-me um ponto na nota que eu trazia.
Pois é deste homem que se serve João Taborda da Gama, em artigo publicado hoje no Diário de Notícias, para atacar gratuitamente Sampaio
da Nóvoa. O argumento básico e cabotino é que Nóvoa, enquanto presidente
do júri que reprovou Saldanha Sanches nas provas de agregação na Faculdade de
Direito de Lisboa, teria tido falta de coragem para evitar este desenlace.
Vamos a factos, então. Nóvoa presidiu a esse júri, porque
era então o Reitor da Universidade de Lisboa. Não participou na votação, nem
podia participar, por não ser da área em questão. Como presidente, dispunha de
voto de qualidade (ou de voto de Minerva, como preferem dizer alguns académicos),
se esse voto fosse necessário em caso de empate. Acontece que o candidato foi reprovado por seis
votos contra três.
A reprovação de Saldanha Sanches foi de uma enorme
injustiça. Muitos dos seus pares afirmaram esta injustiça no meio académico e
fora dele. Mas esta injustiça só se deveu à elite professoral da Faculdade de
Direito de Lisboa, que sempre conviveu mal com certas liberdades e nunca lhe
perdoou certas acções, em certos momentos históricos. Esta injustiça não pode
ser imputada ao então Reitor. Facto dolosamente omitido e que não interessaria (até porque não se sabe como terá votado ao certo) –
não fosse a intenção do argumento do articulista – é que Marcelo Rebelo de Sousa, também presidenciável, fazia parte do júri e era da área.
Não sei se apoio a candidatura de Sampaio da Nóvoa,
nem sequer é isto que interessa. Mas não se liquida a memória de ninguém a pretexto
de um sectarismo escroque e desonesto.
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