domingo, setembro 30
Ao Viés
Todos aqueles que escrevem defrontam-se com uma situação desvantajosa, que remete os seus escritos para o gavetão da relativização do grau de importância da mensagem.
Todos os que escrevem fazem-no por se considerarem portadores de uma importante mensagem que, enquanto tal, deveria ser assimilada por todos os leitores, desconsiderando, no entanto, a distância a que o destinatário se encontra relativamente às suas causas e consequências mais directas.
Todos os que escrevem precisam de alguém que os leia e, tristemente, pouco ou nada sabem quanto ao verdadeiro perfil daquele universo multicéfalo que o pode seguir ou ensacar.
É certo que todos os que escrevem falam. Dizem coisas que precisam ser ouvidas. Mesmo que não mas, isso agora não vem a propósito. Vivemos e incorporamos a dita sociedade da informação, mesmo que isto signifique estar sempre a ler as revistas cor-de-rosa que, não poucas vezes, parecem de cor púrpura.
Para os que escrevem e, sobretudo, para os que escrevem no sentido de procurarem contrariar a leveza de espírito com que algumas análises são feitas, algumas ideias são veiculadas e algumas pessoas são sumariamente julgadas, é muito difícil fazer as pessoas mergulharem na profundidade dos temas e verem para além da espuma que, por vezes, insiste em persistir, sendo, não poucas daquelas, artificialmente criada para diversão das penas mais ligeiras.
Para quem escreve, a vida nem sempre traz o merecido reconhecimento mas, para quem lê, a dificuldade da vida nem sempre permite a felicidade de encontrar mais um caminho que lhe permita contabilizar mais uma oportunidade de melhoria e, incauto, poderá também desiludir-se com o que foi escrito, quando quem escreve está a soldo desta ou daquela ideia, isto para não personalizar, atendendo aos dias que passam.
Para mim, que escrevo em má forma, intermitentemente e me confundo com o muito que leio, o grande objectivo dos princípios da comunicação é encontrar o caminho mais curto para poder chegar ao maior número de pessoas, procurando anular o ruído no canal, para despertar as suas consciências.
Outubro começa já amanhã e, preocupado por julgar perceber que a arrogância e prepotência de uns (poucos) não corresponde, ainda, à indignação de outros (muitos), relembro que temos 13 dias para os necessários esclarecimentos.
sábado, setembro 29
sexta-feira, setembro 28
quinta-feira, setembro 27
Lhasa de Sela
Faria
hoje 40 anos.
Cantava a melancolia como ninguém.
Deixa-nos aqui uma história. A nossa história.
«When my lifetime had just ended
And my death had just begun…»
And my death had just begun…»
quarta-feira, setembro 26
domingo, setembro 23
O que fazer com elas?
"São soalheiras, lindas e seguras, mas Portugal parece não saber o que fazer com elas. Talvez seja tempo de começar a reconhecer o potencial dos Açores".
São as primeiras linhas de um dos artigos de destaque da edição de Outubro da Monocle, com 258 páginas dedicadas ao mundo lusófono.Na ausência de assinatura desta publicação marcadora de tendências, vide artigo na P3 de ontem, assinado por Ana Maria Henriques.
sábado, setembro 22
Fazer parte da decisão, desde (até)quando?
À primeira vista, parece razoável querer fazer parte da decisão. Tanto aqui nos Açores, como no continente. Pese embora as decisões provarem, a este nível, serem grandes encenações do teatro do absurdo.
Fazer parte da decisão, ou melhor, ousar procurar fazer parte da decisão implicaria maturidade, que deveria potenciar análises cuidadas e, sobretudo, desapaixonadas, que deveriam servir para encontrar caminhos que promovessem a caminhada de todos aqueles que nos deveriam querer seguir.
Querer fazer parte da decisão pressupõe juízo, critério, ponderação, equilíbrio, determinação e tenacidade que, apesar de se constituírem como bonitos fonemas num qualquer discurso, correspondem a conceitos bastante profundos e curiosamente caros para nós açorianos, que os devemos levar em boa consideração, sempre que tal se mostre necessário.
Querer fazer parte da decisão parece-me inteligente e até pertinente, sobretudo, para quem, aparentemente a navegar à vista, se mostra incapaz de nos fazer vislumbrar uma réstia de estratégia, ainda que azeda como um iogurte natural.
Não me cheira que este querer fazer parte da decisão signifique querer fazer parte da solução e, mais importante, deixar fazer parte da decisão não pode radicar na mesma leviandade. Pelo menos, para mim não!
Quem decide sou eu. Desta decisão vocês não fazem parte. E isto posso eu garantir!
sexta-feira, setembro 21
Casa doce
A nova abelha da Colmeia cai tão bem quanto mel de incenso em chá Orange Pekoe da Gorreana - produtos regionais que se podem encontrar também nesta confeitaria acolhedora, onde convivem, amigavelmente sobranceiros, com outras infusões da Dammann Frères, chocolates quentes envolventes da Illy, confeitos caseiros que confortam os olhos e a boca e com a cordialidade e profissionalismo das senhoras que dão bons dias e boas tardes com sorrisos bonitos.
O Sr. Neves por lá pontifica com a sua presença discreta, zangão zeloso (e muito bem) das suas Colmeias.
Na Travessa do Colégio, Ponta Delgada, esta Colmeia escondidinha onde eu já antevejo muitos lanches com calor de outono e sabor de inverno.
quinta-feira, setembro 20
O FUNCIONÁRIO CANSADO
A noite trocou-me
os sonhos e as mãos
dispersou-me os
amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só
António Ramos Rosa,
in Não posso adiar o
coração
terça-feira, setembro 18
Palavra da moda
Diz o Dicionário Priberam:
modelar
(modelo + -ar)
adj. 2 g.adj. 2 g.
adj. 2 g.
1. Que serve ou pode servir de modelo ou de exemplo. = EXEMPLAR
v. tr.v. tr.
2. Fazer o modelo de.
3. Fundir em molde.
4. Reproduzir com exatidão (copiando do modelo).
5. Contornar, delinear os contornos de.
6. Planear, dirigir, regular.
v. pron.v. pron.
7. Tomar por modelo.
Ora, se as medidas de austeridade que o governo da República pretende "modelar" desatarem a servir de exemplo, ou a serem fundidas em molde, reproduzidas com exatidão e tomadas por modelo, estamos bem amanhados, estamos.
Senhores... a comunicação não é definitivamente o vosso forte e o vosso forte é algo que continua incógnito da maioria dos portugueses. Pulso forte, será? Um pulso forte é muitas vezes uma coisa boa e também o é em quem dirige os destinos da Nação - quando não dirige a Nação a contra-corrente dos nacionais.
Fica a dica: "moldem" as medidas ao bom serviço do país ou "modulem" as medidas de forma a atingir o resultado de paz social e desenvolvimento económico que todos pretendemos.
Mas não desatem a fazer delas modelo, faz favor.
segunda-feira, setembro 17
Friedman e Pinochet, Gaspar e Passos
Foi ultrajante ver o Ministro Gaspar debitar aquela folha exel no dia 11 de Setembro. Se a medida da TSU anunciada por Passos Coelho não agradou ninguém, nem empresas, nem trabalhadores, nem tão pouco desempregados, porquê a teimosia?
Numa primeira análise parecia só imoralidade e disparate. Mas se pararmos para pensar facilmente percebemos de que cartilha é que aquilo vem. Se nos lembrarmos que, quando tomou posse Vitor Gaspar afirmou que o seu economista de referência era o «líder» dos Chicago Boys, Milton Friedman (leia-se entrevista ao Público desta altura); Se nos lembarmos que Milton Friedman foi o mentor económico da «ditadura ultra-liberal» (olha a contradição nos termos) do general Pinochet; Se nos lembrarmos da barbaridade que foi o derrube do governo democraticamente eleito de Salvador Allende, precisamente a 11 de Setembro; Se nos lembrarmos do que se passou de seguida… Não vejo outra razão que não seja a taradisse ideológica de Gaspar para explicar esta medida. Aquilo é Chicago, Chicago e mais Chicago...
Passos Coelho, por sua vez, decidiu “auto-entronizar-se” de salvador da pátria e aplicar, custe o que custar, o experimentalismo (experimentado) Chileno. Acontece que as medidas radicais ensaiadas pelos Chicago Boys no Chile apenas foram implementadas porque toda a contestação social foi fortemente reprimida pelo ditador. Apenas um ditador consegue governar contra o bem-estar do povo. Enquanto houver liberdade o povo não deixará o Governo descansar. Foi o que se passou sábado pelo país inteiro. Será que Passos Coelho sabe mesmo o que está a fazer?
sábado, setembro 15
Piano, violino e violoncelo
PROGRAMA
I
M. RAVEL
Sonata para violino e violoncelo (1920-22)
Allegro
Très vif
Lent
Vif, avec entrain
C. DEBUSSY
Sonata para violino e piano (1916-7)
Allegro vivo
Intermède: fantasque et léger
Finale : très animé
II
C. DEBUSSY
Sonata para violoncelo e piano (1915)
Prologue
Sérénade
Finale
M. RAVEL
Trio para piano, violino e violoncelo (1914)
Moderé
Pantoum. Assez vif
Passacaille. Très large
Final. Animé
Mais informação no site da TMA 2012. A entrada é gratuita.
sexta-feira, setembro 14
quinta-feira, setembro 13
A Ângela e milhões de nós
A Ângela Crespo tem 32 anos e retrata de forma concreta muitos de nós. À Ângela, "contas feitas, aqui neste T2 onde vivemos, levaram-nos o dinheiro de um infantário". A Ângela ainda não é mãe, mas é certo que assim também não vai ser. Depois de sexta-feira, ruíram as esperanças de não estarem a matar de vez o país: no curto, no médio e no longo prazo. Este eco é para todos nós mas da minha parte vai com impulso redobrado para as Ângelas mães e funcionárias públicas.
Eis o que escreveu a Ângela - pode querer ler aqui ou nos vários blogs que estão neste momento a ecoar este texto (não é hora para considerar prioritária a originalidade). Ou pode querer ler no original, aqui.
Vão-se foder.
Na adolescência usamos vernáculo porque é “fixe”. Depois deixamo-nos disso.
Aos 32 sinto-me novamente no direito de usar vernáculo, quando realmente me apetece e neste momento apetece-me dizer: Vão-se foder!
Trabalho há 11 anos. Sempre por conta de outrém. Comecei numa micro empresa portuguesa e mudei-me para um gigante multinacional.
Acreditei, desde sempre, que fruto do meu trabalho, esforço, dedicação e também, quando necessário, resistência à frustração alcançaria os meus objectivos. E, pasme-se, foi verdade. Aos 32 anos trabalho na minha área de formação, feliz com o que faço e com um ordenado superior à média do que será o das pessoas da minha idade.
Por isso explico já, o que vou escrever tem pouco (mas tem alguma coisa) a ver comigo. Vivo bem, não sou rica. Os meus subsídios de férias e Natal servem exactamente para isso: para ir de férias e para comprar prendas de Natal. Janto fora, passo fins-de-semana com amigos, dou-me a pequenos luxos aqui e ali. Mas faço as minhas contas, controlo o meu orçamento, não faço tudo o que quero e sempre fui educada a poupar.
Vivo, com a satisfação de poder aproveitar o lado bom da vida fruto do meu trabalho e de um ordenado que batalhei para ter.
Sou uma pessoa de muitas convicções, às vezes até caio nalgumas antagónicas que nem eu sei resolver muito bem. Convivo com simpatia por IDEIAS que vão da esquerda à direita. Posso “bater palmas” ao do CDS, como posso estar no dia seguinte a fazer uma vénia a comunistas num tema diferente, mas como sou pouco dada a extremismos sempre fui votando ao centro. Mas de IDEIAS senhores, estamos todos fartos. O que nós queríamos mesmo era ACÇÕES, e sobre as acções que tenho visto só tenho uma coisa a dizer: vão-se foder. Todos. De uma ponta à outra.
Desde que este pequeno, mas maravilho país se descobriu de corda na garganta com dívidas para a vida nunca me insurgi. Ouvi, informei-me aqui e ali. Percebi. Nunca fui a uma manifestação. Levaram-me metade do subsídio de Natal e eu não me queixei. Perante amigos e família mais indignados fiz o papel de corno conformado: “tem que ser”, “todos temos que ajudar”, “vamos levar este país para a frente”. Cheguei a considerar que certas greves eram uma verdadeira afronta a um país que precisava era de suor e esforço. Sim, eu era assim antes de 6ª feira. Agora, hoje, só tenho uma coisa para vos dizer: Vão-se foder.
Matam-nos a esperança.
Onde é que estão os cortes na despesa? Porque é que o 1º Ministro nunca perdeu 30 minutos da sua vida, antes de um jogo de futebol, para nos vir explicar como é que anda a cortar nas gorduras do estado? O que é que vai fazer sobre funcionários de certas empresas que recebem subsídios diários por aparecerem no trabalho (vulgo subsídios de assiduidade)?… É permitido rir neste parte. Em quanto é que andou a cortar nos subsídios para fundações de carácter mais do que duvidoso, especialmente com a crise que atravessa o país? Quando é que páram de mamar grandes empresas à conta de PPP’s que até ao mais distraído do cidadão não passam despercebidas? Quando é que acaba com regalias insultosas para uma cambada de deputados, eleitos pelo povo crédulo, que vão sentar os seus reais rabos (quando lá aparecem) para vomitar demagogias em que já ninguém acredita?
Perdoem-me as chantagem emocional senhores ministros, assessores, secretários e demais personagem eleitos ou boys desta vida, mas os pneus dos vossos BMW’s davam para alimentar as crianças do nosso país (que ainda não é em África) que chegam hoje em dia à escola sem um pedaço de pão de bucho. Por isso, se o tempo é de crise, comecem a andar de opel corsa, porque eu que trabalho hé 11 anos e acho que crédito é coisa de ricos, ainda não passei dessa fasquia.
E para terminar, um “par” de considerações sobre o vosso anúncio de 6ª feira.
Estou na dúvida se o fizeram por real lata ou por um desconhecimento profundo do país que governam.
Aumenta-me em mais de 60% a minha contribuição para a segurança social, não é? No meu caso isso equivale a subsídio e meio e não “a um subsído”. Esse dinheiro vai para onde que ninguém me explicou? Para a puta de uma reforma que eu nunca vou receber? Ou para pagar o salário dos administradores da CGD?
Baixam a TSU das empresas. Clap, clap, clap… Uma vénia!
Vocês, que sentam o já acima mencionado real rabo nesses gabinetes, sabem o que se passa no neste país? Mas acham que as empresas estão a crescer e desesperadas por dinheiro para criar postos de trabalho? A sério? Vão-se foder.
As pequenas empresas vão poder respirar com essa medida. E não despedir mais um ou dois.
As grandes, as dos milhões? Essas vão agarrar no relatório e contas pôr lá um proveito inesperado e distribuir mais dividendos aos accionistas. Ou no vosso mundo as empresas privadas são a Santa Casa da Misericórdia e vão já já a correr criar postos de trabalho só porque o Estado considera a actual taxa de desemprego um flagelo? Que o é.
A sério… Em que país vivem? Vão-se foder.
Mas querem o benefício da dúvida? Eu dou-vos:
1º Provem-me que os meus 7% vão para a minha reforma. Se quiserem até o guardo eu no meu PPR.
2º Criem quotas para novos postos de trabalho que as empresas vão criar com esta medida. E olhem, até vos dou esta ideia de graça: as empresas que não cumprirem tem que devolver os mais de 5% que vai poupar. Vai ser uma belo negócio para o Estado… Digo-vos eu que estou no mundo real de onde vocês parecem, infelizmente, tão longe.
Termino dizendo que me sinto pela primeira vez profundamente triste. Por isso vos digo que até a mim, resistente, realista, lutadora, compreensiva… Até a mim me mataram a esperança.
Talvez me vá embora. Talvez pondere com imensa pena e uma enorme dor no coração deixar para trás o país onde tanto gosto de viver, o trabalho que tanto gosto de fazer, a família que amo, os amigos que me acompanham, onde pensava brevemente ter filhos, mas olhem… Contas feitas, aqui neste t2 onde vivemos, levaram-nos o dinheiro de um infantário.
Talvez vá. E levo comigo os meus impostos e uma pena imensa por quem tem que cá ficar.
Por isso, do alto dos meus 32 anos digo: Vão-se foder.
O Ministro das Finanças diz-se “absolutamente nada preocupado” com as dificuldades que as medidas inacreditáveis deste governo provocam na vida dos
portugueses, mas (apenas) “ocupado”.
Bom, a mim ocupa-me a culinária, os arranjos caseiros, a leitura distraída
de uma revista enquanto tomo o pequeno-almoço… O meu país preocupa-me. Muito. Preocupa-me a dor deste povo a que
pertenço. Preocupa-me o esfrangalhamento e a ruína para que nos empurram.
Porque seria incapaz de o dizer melhor do que Eugénio Lisboa, deixo-vos uma
carta que este homem das nossas letras escreveu ao Primeiro Ministro, e que
circula, por estes dias, nas redes sociais. Perdoem-me os que a já leram. Mas relê-la, bem mais do que uma boa ocupação, é uma grande lição. Que nos deve deixar preocupados
como raras vezes antes.
«Exmo. Senhor Primeiro Ministro
Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.
Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá terem
V. Exa. qualquer efeito – todo o vosso comportamento, neste
primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas
em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! – mas, antes, para
ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida,
o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que
me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as
vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo.
Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será,
pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia
Pascal.
Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”...A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia.
A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado “The Garden Party”: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos.
Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo.
Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.
Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos, situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14.º andar, explicava, a desolação que se contempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa. e do seu robótico Ministro das Finanças - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.
Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.
Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino –uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.
De V. Exa., atentamente,
Eugénio Lisboa»
Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.
Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter
Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”...A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia.
A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado “The Garden Party”: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos.
Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo.
Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.
Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos, situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14.º andar, explicava, a desolação que se contempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa. e do seu robótico Ministro das Finanças - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.
Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.
Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino –uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.
De V. Exa., atentamente,
Eugénio Lisboa»
quarta-feira, setembro 12
Para acabar o dia
Com as imagens de um evento que potencia todas as valências do nosso capital endógeno.
terça-feira, setembro 11
Test Driving Google Glasses
Aparentemente, a inovação não pára para os lados da Google e, apesar desta pequena maravilha ainda não estar definitivamente pronta para o grande público, já começam as pequenas grandes aparições.
"Weighing a few ounces, the sleek electronic device has a tiny embedded camera. The glasses also deploy what's known as a "heads-up display," in which data are projected into the user's field of vision on a small screen above the right eye. A battery is built into one of the frame's arms.
In all, the glasses are like a wearable smartphone, allowing the user to take pictures, send messages and perform other functions via voice-activated commands. For instance, say "OK, Glass" into one of the glasses' two microphones and a menu pops off to the side of your vision showing icons that will let you take a picture, record a video, use Google Maps or make a phone call."
"Weighing a few ounces, the sleek electronic device has a tiny embedded camera. The glasses also deploy what's known as a "heads-up display," in which data are projected into the user's field of vision on a small screen above the right eye. A battery is built into one of the frame's arms.
In all, the glasses are like a wearable smartphone, allowing the user to take pictures, send messages and perform other functions via voice-activated commands. For instance, say "OK, Glass" into one of the glasses' two microphones and a menu pops off to the side of your vision showing icons that will let you take a picture, record a video, use Google Maps or make a phone call."
segunda-feira, setembro 10
A iniquidade desmedida das medidas
Depois do anúncio das novas medidas de austeridade de Passos Coelho na passada sexta-feira o país ficou novamente em choque.
Aquilo que fica claro é que o Governo de Passos Coelho escolheu definitivamente que seriam os trabalhadores e pensionistas a pagar a factura da crise.
Os trabalhadores tanto do setor público como do setor privado passam a estar sujeitos a uma taxa de contribuição para a Segurança Social de 18%, o que representa um aumento de 7%.
Depois do Acórdão do Tribunal Constitucional, que declarou a inconstitucionalidade do corte nos subsídios de férias e de Natal do sector público, com o argumento de que “se traduzia na violação do princípio da igualdade”, o governo decidiu manter o corte de um dos subsídios aos trabalhadores do setor público, e devolver o valor do segundo subsídio a estes trabalhadores distribuindo-o pelos doze meses. Os pensionistas e os reformados continuam sujeitos ao corte dos dois subsídios.
Na prática, e tendo em conta ambas as medidas, os funcionários públicos continuarão a ver cortados dois meses do seu salário, enquanto os privados passam a estar sujeitos também a um corte equivalente a uma remuneração mensal.
Já as empresas veem a Taxa Social Única ser reduzida de 23% para 18%.
Ora estas medidas são ilegítimas, más, injustas e inconstitucionais!
Ilegítimas, porque nunca foram a votos, ou melhor, quando foram a votos o que foi dito foi exactamente o contrário do que está a ser feito. Passos mentiu sobre o IVA, mentiu sobre os subsídios de férias e de natal, mentiu sobre o “basta austeridade”, mentiu, mentiu e mentiu. Fartou-se de mentir. O programa eleitoral que os portugueses votaram não é o mesmo que o Governo põe em prática. E isto, em Democracia, fere de morte a legitimidade do Governo.
Más, porque está à vista que as medidas propostas não são eficazes. Mesmo com toda a austeridade do Orçamento de 2012, o Governo tem agora um buraco de 2 mil milhões de euros que não sabe como resolver, tem uma recessão que não vemos fim à vista e um desemprego nunca antes visto no país.
Injustas, porque escolhem taxar apenas os rendimentos provenientes do trabalho e o direito de quem durante anos descontou para uma pensão de reforma. Nem pensar em mexer nas rendas garantidas que alguns sectores têm, parcerias público-privadas, medidas de taxação sobre o capital e os lucros… Nunca nenhum governo em Portugal agiu tanto como um Robin Hood ao contrário: tirar aos pobres para dar aos ricos parece ser a motivação primária destas medidas. Do lado do trabalho mais e mais sacrifícios, do outro lado não só não se pedem sacrifícios como até se reduz a TSU… Uma coisa é ser Liberal, outra coisa é aproveitar-se dos poderes do Estado para favorecer alguns. Isto é imoral.
Inconstitucional, pois claro… Se viola os princípios mais básicos da repartição de sacrifícios e da equidade a resposta do TC só poderá ser uma. Só se espera que Cavaco faça o que jurou fazer – defender a Constituição! – e que não tenhamos de assistir a um TC a decidir tarde e salvaguardando efeitos de normas que reconhece como inconstitucionais (como já vimos acontecer) por razões extrajurídicas.
Temos de fazer qualquer coisa. O único caminho é a indignação e a resistência.
domingo, setembro 9
Coração
Há iniciativas que se transcendem em muito. Esta é, claramente, uma delas.
Não consigo percepcionar a partir de que ponto pode a democratização da arte plástica deixar de ser uma coisa boa. Apesar disso, acredito que esta singular forma de se expor perante uma comunidade, que transborda dos limites de uma galeria de arte convencional, fez mais por todos nós do que qualquer douto decreto cultural.
Obrigado Yves.
Não consigo percepcionar a partir de que ponto pode a democratização da arte plástica deixar de ser uma coisa boa. Apesar disso, acredito que esta singular forma de se expor perante uma comunidade, que transborda dos limites de uma galeria de arte convencional, fez mais por todos nós do que qualquer douto decreto cultural.
Obrigado Yves.
Sinais dos tempos
Comecei por preparar este post a pensar que não há pior do que estar sempre a levar na cabeça pelas coisas que vamos fazendo. Pois, mentira! É muito pior levar na cabeça por fazer coisa nenhuma;
Nos tempos que correm, é importante afirmar que quem não tem ideias discute pessoas. E não se esqueçam que independentes são os tipos que se mantêm do lado de fora, mesmo que para isso tenham que ser encarcerados;
Pergunta-se se um “Conselho de Ilha” teria pernas para andar ou, se seriam os seus pés de barro, como os de alguns gigantes? Sim, porque ninguém se lembraria de perguntar para que serviria tal coisa;
Será que o mundo entrou numa fase de superlativa criação? Se calhar sim. Toca de cercear a produção artística dos dotados locais;
Serão os festivais só para jovens? Há alguns que não mas, a juventude destes dias tem um Director como há muito não aparecia. Esperamos que o futuro nos traga bom resultado de tanta criatividade estimulada;
Ninguém se atreve a dizer que a nossa frágil economia precisa do máximo de turistas que se puder arrebanhar. Oxalá as quotas leiteiras não nos deixem apeados. Estaremos aqui para registar os sucedâneos;
O associativismo solidário está pela hora da morte, embora reanimado com as IPSS’s. Oxalá os próximos tempos não nos venham dizer que foi a visita da saúde;
Saúde que nos dá cabo da “mona”, não me admirando que, no Médio Oriente, os conflitos se agravem motivados por um significativo aumento da densidade populacional do “Egipto”;
Todos os políticos no poder sugerem, à beira das eleições, que a estabilidade por aqueles domínios é o grande garante do clima de confiança que a economia precisa para prosperar. Quase sempre, nos mandatos compridos, sozinhos e sem alternância, dão cabo dela. Sempre que tal aconteça, sugere-se que elaborem um pacto de regime consigo próprios;
Dizem que os aviões são açorianos e públicos (por enquanto) e alguém sugeria – há pouco tempo – que se deviam manter fiéis aos princípios que os viram nascer. Como somos parte integrante de um país que vive a olhar para o mar - embora sem saber o que fazer com ele – deixamos de achar importante sugerir às pessoas “Fly Azores”, para lhes chamarmos a atenção para a dita fixação. Pode ser uma… estratégia? Puro acto de comunismo, diria aquele senhor madeirense;
Só no Teatro, as viagens são cuidadosamente repostas para que ninguém perca o fio à meada e no Coliseu marcam os gladiadores que, se a crise se agrava, poderão ser facilmente substituídos pelo Mad Max;
Os passos pesados podem vir a mudar de nome, pois, o senhor que emagreceu para não ficar barrigudo não lhes está a facilitar a vida. Por outro lado, o senhor dos passos diz que, por este andar, Portugal não chega lá e o “What’s Up Doc” já não cola. Tudo indica que os próximos passos vão conduzir o coelho a um enxerto de cenourada;
Se tudo isto acontecesse nos tempos autonómicos da velha senhora, nada justificaria perder o sono porque já é dia do senhor. E, daqui a pouco, sempre podemos ir bater nos peitos, para não ter que os dar às balas.
sábado, setembro 8
Turismo Acidental?
É certo que, cansado de tanto escrever sobre turismo, parei de o fazer. E, no entanto, muitas coisas foram acontecendo, dando, com toda a certeza, motivo para ter escrito muito mais.
Daquelas, as boas foram utilizadas pelo governo e as más pela oposição, como, aliás, não podia deixar de ser. Até aqui, nada de novo mas, o balanço entre umas e outras torna-se dramático e assume posição de séria ameaça ao status quo instalado, ferindo de morte as nossas aspirações de desenvolvimento económico.
Houve tempos em que aconselhei a preocuparmo-nos com a afinação do produto turístico açoriano. Houve tempos em que sugeri que a tutela, afinando pela estratégia que viesse a ser escolhida, garantisse a tomada de posição que permitia identificar e proteger os elementos críticos de sucesso. No entanto, o tempo passou e a euforia também. Os senhores que tudo sabiam cuspiram para o ar e o verniz vai estalando.
Todos parecem perceber que o turismo se tornou num pilar importante para este arquipélago mas, aparentemente também, ainda há muito pouca gente a perceber porquê e os mais estapafúrdios ataques vão surgindo. Muitos deles feitos nos corredores do poder e outros, autênticos tiros nos pés, vão corroendo o sector por dentro.
Hoje, nos Açores, tal como noutro tempo e noutro local, a hora é de inovar para vencer os desafios que nos são colocados, dirão os tipos que assistem ao espectáculo no conforto das suas poltronas, depois de deitarem por terra muitas das condições que concorrem para a desejada sustentabilidade desta actividade económica, cujas alavancas dependem, na maioria dos casos, de áreas que fogem ao seu controlo directo (é como se estivéssemos a tentar pescar com o anzol preso à linha da cana de outro).
Entre os vários agentes, para além do sentimento de desânimo, o medo de acumular prejuízo reina sem rival e ninguém é capaz de entender a verdadeira função das infra-estruturas, como os hotéis por exemplo, no processo de afirmação de um destino turístico. Por outro lado, todos os investidores – grandes e pequenos –, para além de poderem vir a perder todo o dinheiro investido, correm o risco de se tornarem os novos mártires desta crise, arrastando consigo milhares de pessoas (funcionários e seus agregados familiares).
Apesar de continuar a ser um acérrimo defensor da necessidade de nos continuarmos a preocupar com as questões que se prendem com o produto e outras vertentes que nos podem diferenciar de destinos nossos concorrentes, digo que, afinal, a hora é de parar de tentar arranjar bodes expiatórios para o nosso desaire e de salvar a honra do convento para não fazer perecer a ordem.
A fórmula ou, se preferirem, umas das fórmulas para podermos compreender a importância de uma verdadeira discussão alargada sobre esta problemática é ousar romper com os limites que se convencionou encerrarem o sector e tentar medir o verdadeiro impacto da indústria da hospitalidade nas nossas vidas e no nosso mercado.
Não me admiro com o facto de poder haver leitores que não queiram compreender este ponto de vista. Outros, bem mais próximos deste problema, não o procuram fazer.
Daquelas, as boas foram utilizadas pelo governo e as más pela oposição, como, aliás, não podia deixar de ser. Até aqui, nada de novo mas, o balanço entre umas e outras torna-se dramático e assume posição de séria ameaça ao status quo instalado, ferindo de morte as nossas aspirações de desenvolvimento económico.
Houve tempos em que aconselhei a preocuparmo-nos com a afinação do produto turístico açoriano. Houve tempos em que sugeri que a tutela, afinando pela estratégia que viesse a ser escolhida, garantisse a tomada de posição que permitia identificar e proteger os elementos críticos de sucesso. No entanto, o tempo passou e a euforia também. Os senhores que tudo sabiam cuspiram para o ar e o verniz vai estalando.
Todos parecem perceber que o turismo se tornou num pilar importante para este arquipélago mas, aparentemente também, ainda há muito pouca gente a perceber porquê e os mais estapafúrdios ataques vão surgindo. Muitos deles feitos nos corredores do poder e outros, autênticos tiros nos pés, vão corroendo o sector por dentro.
Hoje, nos Açores, tal como noutro tempo e noutro local, a hora é de inovar para vencer os desafios que nos são colocados, dirão os tipos que assistem ao espectáculo no conforto das suas poltronas, depois de deitarem por terra muitas das condições que concorrem para a desejada sustentabilidade desta actividade económica, cujas alavancas dependem, na maioria dos casos, de áreas que fogem ao seu controlo directo (é como se estivéssemos a tentar pescar com o anzol preso à linha da cana de outro).
Entre os vários agentes, para além do sentimento de desânimo, o medo de acumular prejuízo reina sem rival e ninguém é capaz de entender a verdadeira função das infra-estruturas, como os hotéis por exemplo, no processo de afirmação de um destino turístico. Por outro lado, todos os investidores – grandes e pequenos –, para além de poderem vir a perder todo o dinheiro investido, correm o risco de se tornarem os novos mártires desta crise, arrastando consigo milhares de pessoas (funcionários e seus agregados familiares).
Apesar de continuar a ser um acérrimo defensor da necessidade de nos continuarmos a preocupar com as questões que se prendem com o produto e outras vertentes que nos podem diferenciar de destinos nossos concorrentes, digo que, afinal, a hora é de parar de tentar arranjar bodes expiatórios para o nosso desaire e de salvar a honra do convento para não fazer perecer a ordem.
A fórmula ou, se preferirem, umas das fórmulas para podermos compreender a importância de uma verdadeira discussão alargada sobre esta problemática é ousar romper com os limites que se convencionou encerrarem o sector e tentar medir o verdadeiro impacto da indústria da hospitalidade nas nossas vidas e no nosso mercado.
Não me admiro com o facto de poder haver leitores que não queiram compreender este ponto de vista. Outros, bem mais próximos deste problema, não o procuram fazer.
quinta-feira, setembro 6
Reviravolta agradável
Este meu último dia de férias
encaminhava-se para um serão de escrita tendo por objeto a menos-que-feliz
gestão do complexo das Termas da Ferraria. Não me agradava passar o serão de
fim de férias a refletir sobre como a natureza nos brindou com paisagens
impagáveis que teimamos em não saber explorar da melhor forma em prol da nossa
economia, mas tive a sorte de ser salva pelo gongo. Ou, neste caso, pelo
Gonçalo.
O Gonçalo é o miúdo terceirense
de 13 anos que hoje cozinhou o jantar cá em casa. Vi-o cozinhar com uma
eficiência, sensibilidade e elegância de fazer corar muitos responsáveis Horeca
da região. De ingredientes à solta, vi-o criar e apresentar – na hora e sem
guião ou receita – um entrecosto caramelizado com mel e cominhos acompanhado
por ananás braseado e basmati agridoce de legumes. Garanto-vos que o jantar
estava irrepreensível.
E assim se salvou a noite,
relegando as tolices observadas na Ferraria para segundo plano. A nova geração
açoriana veio em socorro para mostrar que a indústria do turismo nos Açores não
se vai esgotar nas limitações de hoje – antes tem valores com horizontes amplos
à espera de se concretizarem. Assim lhes seja dada, para tal, a conjuntura que
permita, promova e exija a qualidade.
Resvés
Porque quando se publica um livro não se sabe a que mãos ele irá ter...
Porque há mãos de ouro que o transformam... Até Sábado, 37.25!
Porque há mãos de ouro que o transformam... Até Sábado, 37.25!
quarta-feira, setembro 5
terça-feira, setembro 4
Sérgio
(Republico um texto que escrevi há um tempo sobre Sérgio Paixão. Dedico-o à Lúcia e ao Gui, mulher e filho do Sérgio, que depois de uma batalha com a doença - costumava dizer "vou morrer cheio de saúde!" - acaba de partir em direcção à sua "estrela inacessível")
Costuma desvalorizar o apelido que tem, possivelmente por ser demasiado fácil, por resultar num efeito de lapela para uma personalidade discreta por vocação e feitio. Mas é a paixão que melhor o define. Um entusiasmo e uma entrega doces, atentos, persistentes. Sim, Sérgio Paixão tem uma virtude pouco distribuída: é capaz de fazer durar o sentimento apaixonado, que os manuais, as revistas do coração (e a vidinha também) dizem fugaz.
A sua história já leva muito que contar até ao momento em que se fixou na Horta e passou a assumir a missão de traduzir Brel para português e divulgar tudo o que se vai passando com o artista em toda a parte. Até o instante em que conciliou a sua vida profissional com a vontade de fazer coisas como um grupo de cantares Maré Viva ou o grupo de teatro chamado Carrosel. Até tantas outras aventuras.
Nascido em 1948, na cidade de Lisboa dos anos pós-guerra, este filho de operários viveu os anos 50 em Belém, junto àquele rio para onde o levava o pai nos dias de pescaria – recorda-se das brincadeiras atrás da Central Eléctrica (hoje Museu da Electricidade). “As pescarias não eram grandes mas aquele rio a passar e a margem do outro lado nunca mais me deixaram”, diz. Outras eram as visitas no Verão à praia da Trafaria ou à praia de Algés. Passados os anos de escola primária, a trezentos metros de casa, Sérgio foi em 1959/60 para a modelar escola Francisco Arruda, no Alto Santo Amaro, dirigida pelo professor Calvet Magalhães, que punha a criançada sentada no chão a ver cinema aos sábados de manhã. “Para nós, miúdos da classe operária, era um luxo”. As tardes, passava-as nas obrigações da Mocidade portuguesa, com farda a preceito (e a contragosto) e preparação militar. Apanhava sempre o eléctrico que a Carris punha ao serviço dos operários com preços mais baratos – o “carro operário”.
Passou os anos 60 como qualquer adolescente da época, tendo como hábito ir ao cinema Promotora, no Largo do Calvário, assistir aos filmes de Cliff and the Shadows e tocar viola para fazer as suas covers de alguns hits da época. No final dessa década teve início a sua história com Jacques Brel: “Comecei a ouvir um tipo (pensava ser francês) que me tocou de uma maneira diferente. Pela maneira como cantava e pelo que cantava. Nunca mais lhe perdi o rasto”. Nunca mais lhe perdeu o rasto, sim, durante um percurso em que, entre outras coisas, foi pintor de rua, andou pela Holanda e, instante decisivo, conheceu uma mulher faialense que o levou aos Açores. Brel, esse, transportou-o na bagagem, e surpreendido ficou por saber que o artista havia passado pela ilha que agora habitava. “A partir daí (princípio dos 80) comecei a investigar tudo sobre ele, a comprar discos e livros e a traduzir as canções”. Depois é o que sabem os mais atentos. Fez um programa para a rádio e a televisão sobre o grand Jacques. Traduziu no seu blogue, Canto do Brel, as suas letras para português e todos os dias tem uma novidade para postar sobre o artista – uma notícia, um espectáculo, um filme, um recital.
Sérgio fala de Jacques Brel melhor do que ninguém. Por isso o melhor é calarmo-nos para escutar as suas palavras: “As primeira músicas que me ‘agarraram’ foram ‘Les Bourgeois’, ‘Au Suivant’, ‘Les bonbons’. e o enorme ‘JEF’! Mas não é fácil dizer qual é a preferida. Porque há canções que me comovem como ‘Ne Me Quittes Pas’ ou ‘Ces gens lá’, canções me fazem chorar como ‘Les Vieux’ ou ‘Mon Père Disait’, canções que me divertem sempre como ‘Le Caporal Casse Pompon’, ‘Les Bigottes’ ou ‘Les Timides’. Mas todas elas me deixam uma emoção incontida atravessada na garganta, uma vontade estranha de pôr mais alguém a ouvir ‘aquilo’ que é bom demais para se perder”. Pausa. Para o remate: “Brel é tão diferente dos outros cantores que conheço: é um ser único (como artista) porque sem ele, as letras e as melodias seriam boas na mesma. Mas só ele consegue juntar as duas coisas. E fá-lo com a voz, com o coração, com os olhos, com os braços, com as mãos, com o corpo todo. Por aí é que tenho feito a ‘minha campanha’ para divulgar o seu nome. Na rádio, na televisão e agora na net”. Nós só temos que agradecer.
segunda-feira, setembro 3
domingo, setembro 2
Pluralidade e multidisciplinaridade
Para todos os que se preocupam com a elegância, ou com a falta dela. Enfim...
With this delicious background music , you just have to choose your angle.
Para os que quiserem seguir
With this delicious background music , you just have to choose your angle.
Para os que quiserem seguir
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