terça-feira, maio 22
Ah, é?
Um Prémio Camóes para Dalton Trevisan. Não me deixa de causa espanto e admiração. E respeito pelo gesto corajoso, "fora da caixa", para usar a expressão do momento. Porque conheço Trevisan, escritor de Curitiba, cidadão do mundo, sobretudo das suas miniaturas experimentalistas. Como esta:
"O velho em agonia, no último gemido para a filha:
- Lá no caixão...
- Sim, paizinho.
- ...não deixe essa aí me beijar".
Sim, só isto. Mais nada. Deixando ao leitor o desafio de tudo imaginar. Quem esse velho, quem essa filha, quem é essa aí. Mandei vir um livro dele quando me cruzei algures com um dos seus microcontos. Há violência, há um certo Brasil agreste, há personagens duras e quotidianos nada meigos nas suas histórias. Aqui e ali, também há amor. Mas o que fica mais é uma certa sujidade lacónica, uma reticência procurada, narrativas interrompidas por facas e desilusão. E sexo, bastante sexo, um sexo mais selvagem e cruel do que doce e sentimental. Trevisan - que escreveu "o escritor é irmão de Caim e primo distante de Abel" - ganhou o Prémio Camões. Apetece citar o título do seu livro (edição da Record, 1994) que reli hoje depois da notícia: "Ah, é?".
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