terça-feira, julho 10

Mário Machado Fraião

Soube da sua morte pela internet e isso não deixou de ser estranho. Quando falava com ele, falava por telefone, fixo, aquele velho telefone fixo negro que a minha avó tinha na casa em Lisboa. A nossa amizade começou por ser uma amizade entre insulares. Já não me lembro como é que cheguei a ele. Conhecia-o de antologias poéticas, de uma em especial, aquela que foi coordenada por esse homem doce e generoso que é o Eduardo Bettencourt Pinto.

Admirava a sua poesia, a simplicidade marinha da sua poesia e das suas crónicas, aquelas em que evocava a Horta onde crescera e se deslumbrara com os barcos que levavam nomes de mulheres. Combinámos encontro uma vez algures na linha do Estoril, perto de sua casa, e demos um passeio junto ao mar. Lembro-me agora que a primeira vez que nos encontrámos foi para um copo no "Tertúlia", no Bairro Alto, sítio onde me contou ter passado muitas noites, algumas das quais na companhia de José Agostinho Baptista, um ilhéu (madeirense) com horror aos aviões.

Soube que morreu, dizia há pouco, numa notícia virtual, neste tempo em que já não há telefones fixos, em que as mortes são linhas que correm em rodapé entre notícias sobre a forma como acordam e como adormecem os mercados. Estive há pouco tempo na Horta e aí fui à procura de um livro seu, “Antes que o Sol Acabasse”, editado postumamente pela família (já não sei onde soube da notícia da saída – talvez também pelo santo google). Está aqui ao lado esse livro com impressão gráfica do Telégrapho e uma fotografia na capa de um barco nomeado como "mãe e filhos". É um livro discreto, fora desta era. Numa versão literária, constitui uma espécie de telefone fixo que nos permite, sem facilidades, pôr a conversa em dia. Foi assim que o li, naquela tarde, no Café Internacional. Discando um a um os poemas, "O Vento Agitava as Palmeiras", "Este Frio Arrefece", "Sapatos de Bailarina", para chegar à fala com o Mário.

5 comentários:

Lisa Garcia disse...

Nuno,

Lindíssimo texto que me faz querer também pegar nessa linha de vida feita de baquelite preta e ligar-me à fala com o poeta Mário Machado Fraião, que confesso não conhecer, com a mesma candura com que afirmo que passei a querer conhecer.

Renata Correia Botelho disse...

É verdade!
Belíssimo texto, Nuno.
Um abraço.

Anónimo disse...

Se fosses Índio chamar-te-ias Bela Pena.

lol

belo post. porra, à moda antiga! que é como dizer...muito bom! é um prazer ler o q escreves.
pena o JNAS (já) não andar por aqui. faz falta.

abr
z

Nuno Costa Santos disse...

Obrigado Lisa, Renata e Ezequiel!

Generosos leitores. Visitem os poemas do Mário, que valem muito a pena.

Anónimo disse...

Não gosto muito de poesia, meu caro.
Mas gosto da tua prosa.

abr
z