Tenho em cima da mesa o livro "A Oposição ao Salazarismo em São Miguel e Em Outras Ilhas Açorianas (1950-1974)", uma edição da Tinta da China na qual participei modestissimamente como revisor do texto. Tiro-o da estante nesta altura em que sei da homenagem que foi feita a Jaime Gama nestes dias em São Miguel, bem consagrada neste texto de Mota Amaral.
Há no livro testemunhos de Melo Antunes, Borges Coutinho, Bruno da Ponte, Medeiros Ferreira, entre outros. Falta o de Jaime Gama. Percebe-se: durante algum tempo não falou sobre o "período açoriano" na sua biografia, antes e depois da Revolução (em tempos, tentei, sem sucesso, ter uma entrevista sua para o "Açoriano Oriental", numa série de conversas sobre o independentismo açoriano coordenadas pelo então director Gustavo Moura).
Mas Jaime Gama é, naturalmente, referido no livro por ser, sabemo-lo, uma das figuras que, do lado esquerdo da barricada, mais se empenhou na dinamização política e cultural em São Miguel nos anos 60. Antes de mais por Melo Antunes: "Pode dizer-se que a essa época pertencem, entre outras, pessoas como José Medeiros Ferreira ou Jaime Gama. Com eles vinham as novidades mais escaldantes, num tempo em que a vida universitária era atravessada pelos grandes movimentos estudantis de contestação dos anos 60". No texto de Medeiros Ferreira, este fala da relação "muito especial" que, a partir de 1964, foi desenvolvendo com um estudante de excepção (em casa sempre ouvi falar dele assim) que não deixava de investir muito do seu tempo em, como se diz agora, actividades extra-currículares: "O jornal 'Açores' tinha um suplemento cultural, chamado 'Encontro', e ele, como coordenador, pediu-me para escrever artigos para essa página". Mais à frente, Medeiros Ferreira recorda a prisão do amigo pela PIDE "por ter escrito um artigo a defender a Sociedade Portuguesa de Escritores depois da atribuição de um prémio a um escritor polémico" e o facto de Gama o ter ido buscar ao porto de Ponta Delgada (chegara, sim, no Carvalho Araújo) mesmo depois de ter sido aconselhado por elementos da polícia política a não circular com ele nas férias de Verão.
A poeira da História leva tempo a assentar mas quando assenta ficam os protagonistas que acrescentaram, que souberam com coragem e qualidade intelectual defender ideais, convicções e causas - onde, como o demonstra o episódio, além dos actos públicos, cabem em lugar cimeiro a amizade e a camaradagem. Parece que há um crescente apaziguamento da relação de Jaime Gama com os Açores - e vice-versa. É um motivo de felicidade poder assistir a esse momento.
3 comentários:
Sem dúvida, caro Nuno. Adorei o texto. Jaime Gama, Medeiros Ferreira, Melo Antunes, todos eles homens notáveis, corajoso, progressistas e cosmopolitas virados para o mundo.
abraço
Nuno
um TUNAMI!
http://www.youtube.com/watch?v=EjEAV0RWJxQ
funny
http://www.youtube.com/watch?v=X63SXyEEX20&feature=related
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