Não é fácil fazer um diário quando os dias são indistintos. Quando
nem o sono nocturno permite separar um dia do outro. Não é fácil compreender a
realidade no meio da torrente de notícias, comentários, comentadores, mensagens e posts. Dentro do confinamento somos todos ratos num laboratório,
incautos, inocentes, alheios à experiência que se abate sobre nós. Olhando para
trás é difícil perceber quando tudo isto começou. De dentro do isolamento não
se consegue ver, com clareza, com luz, o dia, o momento exacto, em que a
Liberdade nos foi retirada. Em que as rotinas do confinamento nos foram
impostas, como algemas. Mas, não foi o vírus a origem de tudo isto. Não foi a
doença, não foi a contaminação exponencial. Nem foi o medo, o pânico, que
varreu o mundo, como uma labareda fulminante. O que nos enclausurou
verdadeiramente foi a normalidade que havia. Foi a vida que tínhamos e para a
qual nos querem tão fervorosamente fazer voltar. Este confinamento não começou
no vírus, começou no fim das utopias. Começou na forma lenta e gradual em como
a ditadura do capital tomou conta das nossas vidas. Foi nas rotinas que nos
foram impostas antes deste grande fechamento. No trabalho, no ensino formatado.
Na ditadura da beleza e da fama. Na ditadura do dinheiro, do lucro. Fomos nós
que nos entregamos de livre vontade à voragem da Banca, dos juros, dos
créditos. Na ditadura da ciência que na verdade não sabe nada. A liberdade não
nos foi roubada pelo vírus, mas pelos partidos e por todas aquelas eleições em
que não fomos votar. Fomos nós que deixamos os partidos saquear a Democracia. A
casa da Democracia não é o Parlamento, são as ruas deste país. A Democracia não
são os ditames da política partidária. A Democracia não é a vontade dos ditos
representantes, principalmente quando estes se distanciam em acções dos
princípios e valores da liberdade e se arrogam a si privilégios que negam ao
povo. A Democracia não é dar de comer aos sem-abrigo, é tirá-los da rua e
devolver-lhes a dignidade. A liberdade não é confinamento, é solidariedade. A liberdade
não é isolamento, é abraço. A Democracia é o que se canta nas janelas e
varandas deste país. A Liberdade é um homem só no meio da uma avenida vazia
carregando ao ombro uma bandeira de Portugal encimada de cravos vermelhos.
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