terça-feira, julho 4

Droga de vida

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Na pacatez campestre das nossas ilhas travamos uma guerra silenciosa cujo desfecho é um enigma mas que, por certo, não terá um derradeiro armistício. Infelizmente, o desafio da vulgarização do alcoolismo e da crescente ruralização do fenómeno da droga, são cada vez mais uma fatalidade contra a qual vai faltando forças nas trincheiras de quem se opõe a essa droga de vida. Quanto às drogas (ilícitas), depois de variadas e difusas experiências dos habituais "cientistas sociais", sempre com resultados pouco animadores, chegamos ao ponto de adaptar às políticas de prevenção a mesma, dramática e desencantada, pergunta de Martinson sobre a eficácia e a funcionalidade do sistema penal: "What Works ? Nothing Works."

Chegamos a este ponto por via de uma visão ainda tributária da falácia do bom selvagem corrompido por uma sociedade que, naturalmente, acaba por limitar as liberdades individuais. Com a ajuda de um ideal positivista, que acredita piamente numa ideologia da recuperação e reintegração do indivíduo, fomos nesciamente abandonando um modelo de defesa social.

Inevitavelmente havíamos de chegar ao destino da descriminalização de determinadas condutas, com especial destaque para o consumo de estupefacientes, uma vez que a moderna criminologia afiançava que estávamos perante "crimes without victims" e, como tal, a serem tratados noutros domínios, designadamente, em sede de ilícito de mera ordenação social. Esquecemo-nos que no caso do consumo de estupefacientes a vítima não é apenas o consumidor mas também a família em especial e a sociedade em geral. Ora, enquanto tivermos que lidar com o actual enquadramento jurídico desta matéria que, como se sabe, permanece alcandorado num equilíbrio instável entre a repressão e a liberalização, resta-nos a responsabilidade de olharmos de frente para este desafio com a vontade de o vencermos.

Para tal não existem estratégias de êxito com garantia previamente assegurada, mas qualquer solução será por certo tangencial à implementação de políticas de prevenção institucionais, a um reforço de policiamento de proximidade e repressivo, e a um papel activo e disciplinador de quem detém o poder paternal de jovens em risco.

Mas, infelizmente, a nossa realidade parece seguir ao arrepio desse caminho, desde logo, com a ensurdecedora inactividade local do Instituto da Droga e Toxicodependência cuja presença nos Açores não passa da existência virtual do respectivo site. Depois, por constrangimentos de vária ordem, as forças de segurança parecem mais viradas para os "agentes de papelão", do que para a intervenção em todos os "mercados de venda livre de estupefacientes" cujos "feirantes" e respectivas "bancadas" todos conhecemos. Nem se diga que há ineficácia policial pois quando a PSP e a Judiciária têm os meios, a oportunidade, e a vontade de actuar os resultados pautam-se por resmas de droga apreendida cujo record supera sempre o anterior ! Finalmente, mas não menos relevante, é cada vez mais confrangedor o laxismo de tantos pais que acham normal a absoluta inexistência de regras e continuam de modo irresponsável a gratificar os filhos que ainda não atingiram a maturidade suficiente das suas personalidades para viverem plenamente a sua liberdade.

É esta a realidade em que vivemos e por certo negar a sua existência, ou relativizar a sua importância amortecendo as derrapagens dos adolescentes, torna-nos também responsáveis.
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JNAS na Edição de 4 de Julho do Jornal dos Açores

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