quinta-feira, abril 1

30

...não mil mas os anos de Abril.

Porque hoje começa Abril, porque Abril faz 30 anos, porque em Abril de 1974 aquilo que se veio a tornar nisto, isto, mim, eu, ia já com mais ou menos três meses de gestação. Porque ser da geração de 74, ser o que se convencionou chamar filho da revolução sempre foi para mim um facto significativo, sempre assumi isso como uma espécie de característica de carácter extremamente importante na minha formação e no que eu sou enquanto gente, estes aspectos influenciaram a minha interacção com a vida quase tanto como ter olhos azuis ou o cabelo encaracolado. Porque ter nascido pós revolução, ter crescido pós PREC, ter vivido toda a minha vida em democracia e em liberdade é para mim, para além de dado adquirido, como ter 1,72 m de altura e joanetes, facto fundamental na percepção que tenho de mim e do mundo que me rodeia. São traços, são feições que nos distinguem e que se tornam parte do nosso “genoma psicológico”. Por tudo isso deixem que deixe aqui este manifesto, não literário mas político. Não sou sociólogo, nem psicólogo, nem pretendo fazer qualquer tipo de estudo comportamental, mas acredito que aquilo que somos é fruto tanto das condições físicas como de educação que nos é dada. As opções que tomamos na vida nascem, essencialmente, das reacções que temos ao que nos rodeia., reacções que, por sua vez, brotam das características físicas e de carácter que nos foram dadas. O resto são escolhas e decisões. “decisions, decisions, always decisions.” A minha família é e foi sempre maioritariamente socialista e republicana, pelo menos aqueles da minha família com quem tive mais contacto e que mais me marcaram. O tipo de humanismo que me foi incutido radicava primeiro que tudo num respeito quase irracional nos valores da liberdade e da democracia. Mas apesar disso se me fosse pedida uma explicação pessoal para o porquê de eu ser de esquerda a minha resposta seria um nome: Antero de Quental. Uma paixão adolescente por Antero foi e é, talvez ainda hoje, a razão maior para o meu alinhamento à esquerda. “a gauche, toujours à gauche.” Para mim ser de esquerda é acreditar no homem e na igualdade entre os homens, é acreditar que para que essa igualdade exista a sociedade e as comunidades de homens devem providenciar as necessidades básicas de decência, saúde, educação, emprego, para que todos possam viver com dignidade. Hoje como ontem o maior combate da esquerda é a luta contra as desigualdades sociais. Por mais que abruptamente se discuta os porquês de ser de esquerda ou de direita a minha convicção é que esta luta pelo direito global a uma vida digna ainda é uma razão válida para se afirmar, sem reservas – eu sou de esquerda. Mas, se calhar, o mais importante, numa época em que escritores laureados pretendem polemizar a democracia é acreditar que ser de esquerda é a convicção de que só em democracia podemos em sociedade encontrar uma base para a dignidade humana que todos, sem excepção, devíamos procurar. Depois a questão dos partidos, das grandes corporações, das multinacionais, do primado da economia, são tudo problemas para resolver mas a abordagem a estes problemas estará sempre dependente do ser de esquerda ou de direita. Só que tudo isto se torna irrelevante se não houver liberdade e democracia. Sem isso não existem esquerda ou direita, sem isso só há lugar à opressão. Abril faz trinta anos, como eu, hoje mais do que nunca importa lembrar as aspirações dessa criança de Abril, não deixemos que a castração adulta do sonho nos impeça de cumprir a liberdade, a democracia, a justiça social. Faça-se Abril.

P.S. Este post não é peta.

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