segunda-feira, abril 26

Algo não estava bem com o meu 25 de Abril

25 de Abril, para mim, foi deixar tudo o que eu conhecia como o meu mundo, para traz, numa manhã, tão cedo que só existia aquela luz que chega antes do sol, sem nos despedirmos de ninguém. Não disse adeus a nenhum amigo, colega ou vizinho, excepto à Rosa, a mulher que ajudava a minha mãe, lá em casa, há cerca de seis anos e que chorava e sofria como se partíssemos para a morte, cobrindo-nos de beijos e abraços. Só então percebi que algo não estava bem com o meu 25 de Abril. Só voltei a ver a “nossa” Rosa nesta Primavera, 30 anos depois e encontramo-nos debaixo das suas mesmas lágrimas, só que mais velhinhas e o seu abraço acompanhado de alguma tremura de mãos.
25 de Abril para mim foi chegarmos aos Açores e irmos viver para casa do meu avô materno aonde foram chegando, o meu tio José Maria que vinha “avariado” da frente da guerra colonial na Guiné, levantava-se de noite aos berros e barricava-se no seu quarto de cama, o tio José Agostinho e a minha tia Carolina, com os seus três filhos, cujas terras e fábrica do seu pai em Lisboa tinham sido nacionalizadas, o meu tio Octávio e a tia Celeste, também com os seus três filhos, que baptizados de “retornados” voltavam cuspidos de Moçambique para um mundo aonde nunca mais se adaptaram, o tio Luís e a tia Gracinha, também retornados de Moçambique. Fora os saneados, os mais velhos, éramos, quase sempre, duas dezenas de crianças que juntos fazíamos esquecer que algo não estava bem com o meu 25 de Abril.
25 de Abril para mim foi deixar toda esta confusão que eram a revolução que acontecia na família, a revolução que acontecia nos Açores e a revolução que acontecia em Portugal, sem nos despedirmos de ninguém, não disse adeus a nenhum primo, amigo, colega ou vizinho e partimos para a América. América não, Fall River, na altura um gueto.
25 de Abril para mim foi viver num país que nos recusou asilo político e, pela primeira vez na minha vida, ver na cara dos meus pais o desespero de quem vive de “esmola” e termos a necessidade de sermos repartidos entre casas de familiares. Foi ver chegar a esta América, um por um, os mesmos tios que se tinham asilado connosco na casa do meu avô. As malas eram cada vez mais pequenas, parecíamos uma verdadeira “tribo de Israel”. Um dos poucos que ficara nos Açores, o meu tio Calito, fora posto na prisão. Mas a aventura “América” fez-me esquecer que algo não estava bem com o meu 25 de Abril.
25 de Abril foi voltarmos para os Açores e irmos viver para um T1 do meu avô. Chegamos a ser aí uma estrutura familiar de oito (seis filhos, pai e mãe), com o meu pai ainda saneado.
Enfim, aprendi que o bem comum é, ás vezes, mais importante que o bem individual e o 25 de Abril acabou por chegar, também, à minha família.
Tenho a inteligência para saber que o que o 25 de Abril representa hoje é extremamente positivo e imperativo à 30 anos e hoje. Sei que não foi uma revolução fácil para muita gente, justa ou injustamente. Não consigo, no entanto, despi-la das minhas recordações.

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