sábado, maio 9

O Sindrome Nanni Moretti


Como vários epidemiologistas têm dito só saberemos a real dimensão e extensão da pandemia do Covid-19 quando esta terminar. Só aí se poderá fazer o balanço exacto dos infectados, dos mortos, dos que escaparam ao vírus. Porém, muito para lá da universalização da vacina e da OMS declarar o fim oficial da pandemia, as ondas de choque sociais, económicas e políticas desta crise far-se-ão sentir ainda, por muito tempo, como ecos de um vasto cataclismo. Se a caracterização correcta da crise social e económica levará décadas, as crises políticas provocadas pela “guerra” ao Covid-19, como gostam de dizer os políticos, são já, de certa maneira, claras. Uma das principais consequências desta crise na política europeia foi a forma como tornou evidente a incapacidade dos vários governos em tomar decisões políticas com base em ideologias e em colocar em primeiro lugar, não os seus, mas os interesses das comunidades. Com mais ou menos pequenas alterações a resposta dos vários governos europeus foi ceder à pressão popular e científica com a adopção de medidas de fascismo sanitário. Nem por um segundo os governos hesitaram na aceitação deste caminho autoritário e a grande massa dos cidadãos, levados pelo medo, aceitaram de livre e espontânea vontade esta via. Perante a necessidade de medidas imediatas, não se esperaria que houvesse lugar a referendos sobre a resposta ao Covid-19, mas seria legítimo esperar que os diferentes governos reagissem conforme as suas diferentes colocações no espectro político e isto, tendo em conta a resposta autoritária, é tanto mais grave nos governos ditos socialistas. A necessária ponderação entre os valores da saúde pública e a defesa dos direitos, liberdades e garantias era um imperativo ético e moral, particularmente, para os governos emanados destes partidos. Se as ciências médicas recomendavam uma resposta alicerçada maioritariamente no distanciamento social e no confinamento o dever dos governos socialistas era encontrar o necessário equilíbrio entre estas respostas e a defesa da liberdade e a garantia das protecções sociais que defendessem os mais fracos e desprotegidos dos efeitos cegos destas medidas. Aquilo a que estamos a assistir é a forma como o súbito confinamento, seguido de um desconfinamento hesitante, estão, em conjunto, a destruir a economia e o tecido social das nossas comunidades. Isto porque a verdade é que esta crise não atinge todos da mesma maneira. Há, desde logo, um fosso profundo entre sector público e sector privado. Entre ricos e pobres. Entre população rural e urbana. Entre o interior, desertificado e envelhecido, e o litoral. E o que se exigia a governos ditos socialistas eram respostas que minimizassem estas diferenças, que atenuassem os efeitos devastadores do combate à crise nos mais fracos e desprotegidos. Pelo contrário, o que assistimos é a uma governação imediatista e mediatizada tomada apenas por respostas impulsivas e avulsas. E, se as medidas de saúde pública são claramente autoritárias, as medidas económicas são fundamentalmente não-sociais. É caso para citar Nanni Moretti e, olhando para António Costa e, já agora, para Vasco Cordeiro, e pedir encarecidamente – façam alguma coisa de esquerda.

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