Voltemos, então,
às metáforas bélicas. Nesta primeira grande-guerra do Covid, a primeira vítima,
passe a repetição, foi o Turismo. Qual soldado raso de infantaria, o Turismo
foi o primeiro na linha de fogo. Companhias aéreas, agências de viagens, hotéis,
alojamentos, animação, restaurantes, tuk-tukes, e tantas outras actividades
conexas, foram os primeiros a ser lançados na trincheira do confinamento e a
sofrer o ataque, inclemente, dos obuses do distanciamento social. Neste admiravelmente
asséptico “novo normal”, a Indústria da Hospitalidade é, ela própria, uma
impossibilidade, um anacronismo, para o qual olharemos com saudade ou
estranheza. Num tempo que nos obriga a andar de cara tapada, uma actividade cuja
mercadoria é o sorriso, cuja moeda de troca é a cortesia, não tem, digamos
assim, viabilidade económica.
Mas, seria injusto
apontar culpas directas a um determinado governo pelo súbito colapso desta Indústria.
Não foi só um ou outro Estado, ou região, que se fechou sobre si próprio. Foram
todos os países ocidentais que, de um dia para o outro, suspenderam aquilo que
era o oxigénio do turismo mundial – a livre circulação de pessoas. Porém, há,
obviamente, diferenças, nuances, de país para país, de região para região, quer
no grau de preocupação, como na rapidez do auxílio ou, até, na atitude geral
para com a necessidade, para não dizer a vontade, de reinventar o sector.
O caso dos
Açores é particularmente paradigmático de como o autismo do governo cavou,
ainda mais fundo, a sepultura do Turismo. Fechados na sua bolha de preocupação
clínica, obcecados pela demanda de cobrir as ilhas num imenso manto de
descontaminação, Presidente do Governo e Autoridade de Saúde, tudo fizeram para
fechar, isolar e desinfectar os Açores do perigo estrangeiro. Encerramento de aeroportos,
cancelamento de voos, quarentenas obrigatórias, quarentenas “voluntárias”, e até,
cúmulo dos cúmulos, apelos abertos e sem vergonha a que “as pessoas não se
desloquem à região”! Como se já não fosse bastante, para a eutanásia do
sector, a inadequação, insuficiência e, até mesmo, a clara injustiça dos parcos
apoios de Estado, que em muitos casos mais não eram do que certidões de óbito
encapotadas, o último prego no caixão foi, de facto, a forma como, com cada
palavra e cada gesto, os responsáveis políticos regionais, foram regando a
semente xenófoba que medra, mais ou menos timidamente, dentro de cada açoriano.
No que
concerne aos apoios, desde o seu início se percebeu que não passavam de um
eufemismo, para não dizer um logro. Pensos rápidos para tratar uma gangrena. A
tentativa, desesperada, de conter os despedimentos, com layoffs, e só até ao
final do ano, não visa proteger trabalhadores ou apoiar empregadores, busca apenas
garrotar as estatísticas do desemprego até depois das eleições. Para além de
que esquece todos os outros imensos custos mensais que sobrecarregam as
empresas, como, por exemplo, a conta da EDA que nos Açores chega a ser obscena.
Ou os custos de manutenção. Nestas ilhas em que a humidade se mede em metros
cúbicos e não em percentagem, bastam dois dias de porta encerrada para crescer
cabelo nas paredes de uma casa. Experimentem abrir uma porta no Nordeste depois
de três meses fechada, a humidade entra-vos pelas narinas como uma má
anfetamina. Por outro lado, incentivar o crédito a empresas já de si
endividadas ou, cereja em cima do bolo, limitar os apoios a um critério de ausência
de dívidas ao Estado, são tudo provas de como a última das preocupações deste
governo, desde o Palácio de Santana ao Alto das Covas, é ajudar o Sector do
Turismo. E, nem vale sequer a pena falar do Edifício CTT, onde, em total alheamento
da realidade em que estamos metidos, a Secretária da Energia, (que certamente
não leu a entrevista do Jorge Rebelo de Almeida ao Negócios, anunciando o
cancelamento do investimento do Grupo Vila Galé no antigo Hospital de Ponta
Delgada...) andava, ainda na semana passada, pasme-se, a enviar emails ao
Trade, perdoem o jargão, a pedir contributos para um manual de boas práticas, enquanto
todo o resto do país, Madeira na frente, já se prepara para abrir, se é que já
não abriu, ao Turismo.
No entanto, o
mais grave disto tudo, como se tudo isto não fosse já suficientemente dramático,
é, sem margem para dúvidas, esse sentimento generalizado que se disseminou pela
população, sustentado pelo discurso e acção do governo, de repulsa, renuncia e
pura antipatia para com os que são de fora, e que extravasa de cada comentário
a favor do isolamento geográfico das ilhas, como se este fosse, em si mesmo, uma vantagem
e não a fatalidade que realmente é. Numa região que até há pouco mais de 20
anos vivia enclausurada nos seus xailes negros, numa região que, mesmo entre si,
gosta de alimentar o odiozinho de ilha para ilha, numa região onde até há tão
pouco tempo o exemplo máximo de bom atendimento num restaurante era o “vás
comê e vás gostá”(!), nesta região, a postura conjunta da tríade Autoridade
de Saúde, políticos e (perdoa-lhe Senhor que ele não sabe o que diz) Cónego
Borges, em toda esta birra das ligações com o continente, deu cabo, quem sabe se
por muitos e bons anos, daquilo que é o bem mais precioso de um Destino, e não,
não estou a falar das belezas naturais ou da sustentabilidadezinha, estou a
referir-me à arte de bem receber, a pura, simples e genuína, afabilidade. Aquilo
que é, afinal, o ouro de qualquer Destino – a simpatia.
A simpatia, a hospitalidade e o bem receber,
não se recupera com carimbos sanitários, nem com luvas de plica e máscaras
comunitárias, nem com vídeos pseudocómicos com a Teresa Guilherme, nem sequer
com anúncios empacotados em aviões da Ryanair à saída de Ringway. Ninguém quer
ir a onde não será bem-vindo. E, foi essa mensagem – não queremos cá ninguém! –
que andaram, Vasco Cordeiro, Tiago Lopes, até José Manuel Bolieiro, a passar durante
estes dois meses e meio, mais o próximo que aí vem até ao início de Julho. A minha falecida avó, costumava dizer que "era preciso uma
vida para se construir um 'bom nome', mas que bastava um dia para o perder". Aos
Açores bastou um vírus com nome de cerveja. Que Deus lhes perdoe, a mim falta-me a
paz de espírito para perdoar…
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