Num artigo, na revista Scientific American, sobre a evolução
da pandemia de Covid-19, a epidemiologista e bióloga evolucionista da
universidade de Chicago Sarah Cobey declara que “a questão sobre como a
pandemia se desenrolará é pelo menos 50% científica e outros 50% social e
política”. No fundo, o que a ciência e a história de passadas pandemias nos
dizem é que na inexistência de uma vacina ou, havendo uma, da vacinação massiva
dos 8 biliões de seres humanos do planeta, o vírus irá tornar-se endémico,
circulando e infectando pessoas sazonalmente. Perante isto, a abordagem ao vírus
depende, em igual medida, dos avanços científicos, quer na criação de uma
vacina como, e mais importante, no desenvolvimento de medicamentos antivirais,
que permitam o tratamento, bem-sucedido, dos infectados. Como, também, dos
comportamentos sociais e das opções políticas. Neste aspecto, a questão do
sucesso das medidas de confinamento, como forma de ganhar tempo, depende, em grande
medida, do momento em que são impostas, pelos decisores políticos, e da sua
aceitação e cumprimento, pela população. No mesmo artigo, é admitido que as
medidas de confinamento foram mal sucedidas na Europa, ao contrário do que aconteceu em Hong Kong
e na Coreia do Sul, porque foram impostas tarde de mais. Ainda sobre medidas
de confinamento, Anders Tegnell, o já famoso epidemiologista sueco, em resposta a uma pergunta de Fareed Zakaria sobre se a opção da Suécia de não impor o
confinamento tinha sido por razões económicas, Tegnell respondeu, peremptoriamente,
que não, que essa opção era apenas baseada na percepção de que quaisquer medidas
que fossem tomadas, para controlar a epidemia, teriam que ser sustentáveis no
tempo, uma vez que a epidemia iria, como se pode constatar, prolongar por tempo
indeterminado. Tegnell é também extremamente explícito na afirmação de que o
seu papel é apenas de conselho, são os políticos que tomam as decisões, e não
ele. Nesta altura de mais ou menos desconfinamentos, vale apena pensar sobre
estas questões, agora que somos todos “suecos”. O confinamento e, por maioria
de razão, o isolamento ou, no caso açoriano, o grande fechamento das 9 ilhas,
não são um tratamento, são apenas medidas profiláticas, que teriam, tem, necessariamente
que ser tomadas por um curto espaço de tempo, sob pena de, como se constata, os
seus efeitos psicossociais e económicos serem ainda mais devastadores do que a,
felizmente baixa, taxa de letalidade do vírus. O confinamento não é mais do que
uma medida para conter a infecção permitindo, no entretanto, que os sistemas de
saúde, as organizações políticas e a sociedade, como um todo, se possam
preparar para a fase de disseminação da epidemia. Nos Açores, ao fim de
praticamente dois meses e meio de confinamento, não temos qualquer informação sobre
como o nosso sistema regional de saúde se apetrechou para efectivamente “combater
o vírus”, essa expressão que tantos os políticos como a Autoridade de Saúde,
essa entidade abstracta e de pulloveres coloridos, tanto gostam de usar. Não sabemos
se foram montados hospitais de campanha para tratamento exclusivo dos
infectados, libertando assim os hospitais para o seu funcionamento normal. Não sabemos
se estamos devidamente capacitados em matéria de equipamentos de protecção, medicamentos,
testes ou outros materiais imprescindíveis para o rastreamento e tratamento de pessoas infectadas.
Nem sequer sabemos que medidas especificas foram tomadas para os grupos de
risco, nomeadamente idosos, em especial os lares. Apenas sabemos que tivemos
146 casos confirmados de Covid-19 e 16 óbitos, sendo estes últimos
praticamente todos num lar de idosos no Nordeste. No entanto, ao mesmo tempo e
agora que vamos tateando no ar, vendados e a medo, o caminho do
desconfinamento, conseguimos todos pressentir que há um outro inimigo, igualmente
invisível e mortal, a crescer exponencialmente por entre os interstícios do
nosso tecido social e económico, o vírus da brutal crise económica em que o
confinamento nos mergulhou e do qual a morte por eutanásia governativa do
sector do Turismo é apenas uma pequena parte, embora a que tem, para já, maior
visibilidade e peso. E, pressentimos, igualmente, que, para esse outro vírus, para
essa outra crise, do chamado “novo normal”, o Governo dos Açores, continua a
não ter nem puta ideia do que fazer, só que agora com a agravante de que já não há “isolamento
profiláctico”, seja ele voluntário ou não, que o ampare…
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