sábado, maio 23

Do desconfinamento


Num artigo, na revista Scientific American, sobre a evolução da pandemia de Covid-19, a epidemiologista e bióloga evolucionista da universidade de Chicago Sarah Cobey declara que “a questão sobre como a pandemia se desenrolará é pelo menos 50% científica e outros 50% social e política”. No fundo, o que a ciência e a história de passadas pandemias nos dizem é que na inexistência de uma vacina ou, havendo uma, da vacinação massiva dos 8 biliões de seres humanos do planeta, o vírus irá tornar-se endémico, circulando e infectando pessoas sazonalmente. Perante isto, a abordagem ao vírus depende, em igual medida, dos avanços científicos, quer na criação de uma vacina como, e mais importante, no desenvolvimento de medicamentos antivirais, que permitam o tratamento, bem-sucedido, dos infectados. Como, também, dos comportamentos sociais e das opções políticas. Neste aspecto, a questão do sucesso das medidas de confinamento, como forma de ganhar tempo, depende, em grande medida, do momento em que são impostas, pelos decisores políticos, e da sua aceitação e cumprimento, pela população. No mesmo artigo, é admitido que as medidas de confinamento foram mal sucedidas na Europa, ao contrário do que aconteceu em Hong Kong e na Coreia do Sul, porque foram impostas tarde de mais. Ainda sobre medidas de confinamento, Anders Tegnell, o já famoso epidemiologista sueco, em resposta a uma pergunta de Fareed Zakaria sobre se a opção da Suécia de não impor o confinamento tinha sido por razões económicas, Tegnell respondeu, peremptoriamente, que não, que essa opção era apenas baseada na percepção de que quaisquer medidas que fossem tomadas, para controlar a epidemia, teriam que ser sustentáveis no tempo, uma vez que a epidemia iria, como se pode constatar, prolongar por tempo indeterminado. Tegnell é também extremamente explícito na afirmação de que o seu papel é apenas de conselho, são os políticos que tomam as decisões, e não ele. Nesta altura de mais ou menos desconfinamentos, vale apena pensar sobre estas questões, agora que somos todos “suecos”. O confinamento e, por maioria de razão, o isolamento ou, no caso açoriano, o grande fechamento das 9 ilhas, não são um tratamento, são apenas medidas profiláticas, que teriam, tem, necessariamente que ser tomadas por um curto espaço de tempo, sob pena de, como se constata, os seus efeitos psicossociais e económicos serem ainda mais devastadores do que a, felizmente baixa, taxa de letalidade do vírus. O confinamento não é mais do que uma medida para conter a infecção permitindo, no entretanto, que os sistemas de saúde, as organizações políticas e a sociedade, como um todo, se possam preparar para a fase de disseminação da epidemia. Nos Açores, ao fim de praticamente dois meses e meio de confinamento, não temos qualquer informação sobre como o nosso sistema regional de saúde se apetrechou para efectivamente “combater o vírus”, essa expressão que tantos os políticos como a Autoridade de Saúde, essa entidade abstracta e de pulloveres coloridos, tanto gostam de usar. Não sabemos se foram montados hospitais de campanha para tratamento exclusivo dos infectados, libertando assim os hospitais para o seu funcionamento normal. Não sabemos se estamos devidamente capacitados em matéria de equipamentos de protecção, medicamentos, testes ou outros materiais imprescindíveis para o rastreamento e tratamento de pessoas infectadas. Nem sequer sabemos que medidas especificas foram tomadas para os grupos de risco, nomeadamente idosos, em especial os lares. Apenas sabemos que tivemos 146 casos confirmados de Covid-19 e 16 óbitos, sendo estes últimos praticamente todos num lar de idosos no Nordeste. No entanto, ao mesmo tempo e agora que vamos tateando no ar, vendados e a medo, o caminho do desconfinamento, conseguimos todos pressentir que há um outro inimigo, igualmente invisível e mortal, a crescer exponencialmente por entre os interstícios do nosso tecido social e económico, o vírus da brutal crise económica em que o confinamento nos mergulhou e do qual a morte por eutanásia governativa do sector do Turismo é apenas uma pequena parte, embora a que tem, para já, maior visibilidade e peso. E, pressentimos, igualmente, que, para esse outro vírus, para essa outra crise, do chamado “novo normal”, o Governo dos Açores, continua a não ter nem puta ideia do que fazer, só que agora com a agravante de que já não há “isolamento profiláctico”, seja ele voluntário ou não, que o ampare…  

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