quinta-feira, março 1

o Bento

Nos idos de 98, mil novecentos e noventa e oito, andei eu pelo México. Fugido dos dólares americanos desci a sul em busca do câmbio apetecível do peso face ao escudo e durante seis meses andarilhei pelo México. De autocarro, a pé, de autocarro, à boleia, de comboio, a pé, de autocarro, durante seis meses andei pelo México. De Tijuana a Los Cabos, de La Paz a Mazatlán, de Acapulco a Guadalajara, de Oaxaca a México DF, de Monterrey a Chihuahua e de pueblo em pueblo, de ciudad em ciudad, surfando os caminhos, a história e o tempo de um dos países mais impressionantes do mundo. Por acaso havia o caso de ter um amigo em Saltillo, cidade cujo nome apenas ressoava por causa de um mundial de futebol, mas quem alguma vez viajou sozinho sabe o bom que é ao fim do caminho chegar a um pouso amigo, reconhecer alguém e dormir numa casa de família e vai daí rumei a Saltillo, onde me quedei vários dias. Para além de ter feito muitos e muito bons amigos em Saltillo (Julián Herbert, compañero mió, mariachi, poeta de grande corazón; José "pepe tachas" Cruz Almonte, de balón y cesto, y así grande poeta como el cesto o el balón; Claudia Luna y Valdemar, que me quisieran poeta como ellos y me recibieran en su casa leña de amor por la gente, por las letras y por un joven viajante portugués enamorado de gente y de letras...), conheci a Patricia que nesses dias foi como uma mãe para mim. Ela, os seus pais e o Félix. Durante esses dias, vivi em Saltillo alguns dos momentos mais fantásticos da minha vida. Mas há um que ficou comigo e que hoje repercutiu como um bola de matraquilhos na minha cabeça. Um dia num jantar numa pizarria numa praça de Saltillo ao fim de uns copos e de muita conversa recordamos o mundial de 86, a Patrícia tinha sido hospedeira da organização nesse mundial e ela mais umas amigas tinham sido encarregues de acompanhar, não mais do que, a selecção portuguesa... história puxa história, conversa puxa conversa, e a determinada altura fico a saber que um guarda-redes português de bigode fez um filho em Saltillo. Em Portugal a selecção de Saltillo ficou famosa por muitas outras razões e quando soube desse facto não me espantou, sorri. Tenho de tempos a tempos reavivado essa história em conversas familiares, em rodas de amigos, tornou-se quase uma anedota pessoal. Mas hoje tocou-me particularmente a possibilidade dessa história. Morreu Bento. Morreu o Guarda-Redes de bigode, o melhor de todos os tempos, morreu o Bento, e eu que na escola só era escolhido para guarda-redes e que adorava o Bento, o Menzo e um guarda-redes do porto chamado "tyby", voltei a ter essa história a saltitar na memória e fiquei triste. Morreu o bento e eu lembrei-me de mim, lembrei-me da memória do Bento em mim e fiquei triste. Lembrei-me do Bento e da memória do Bento que ficará em mim.

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