terça-feira, março 2

A voracidade do Blog

Ou a angustia de quem escreve depois do texto acabado.

Antes de escrever em blogs era um leitor atento de blogs. Ao longo de vários meses fui abrindo e fechando janelas no computador, espreitando lá para dentro procurando palavras que entusiasmassem. Mantive também, tenho que o confessar, algumas conversas mais acesas com amigos meus, eles arrojados bloggers, sobre a inutilidade e a quase imoralidade desta forma de exposição publica, tão próxima do reality show, de escrever para todos verem. Um dos meus principais argumentos da altura era o facto de qualquer pessoa que escreva e o faça com respeito pelas palavras sabe que muito do que se escreve deve ficar na gaveta, ou, ainda mais, ir directamente para o cesto dos papéis devidamente esmagado. Há até quem respeite de tal maneira as palavras que proceda de tempos a tempos a magníficos rituais de sacrifício, em que se queima tudo o que não escape ao crivo do tempo. Depois rendi-me à evidência de não viver no século dezanove e tornei-me bloguista. Hoje a minha noção dos blogs passa por duas perspectivas complementares: um extraordinário meio de fazer discutir ideias e ideais; um oceano virtual onde nadam palavras à vista de todos. Nunca me passou pela cabeça fazer literatura nos blogs, tenho consciência das minhas limitações estilísticas e sou demasiado avesso à contenção formal de pontos e de virgulas que a prosa exige. Mas aceito e admiro quem o faça e há quem o faça muito bem por essa blogoesfera fora. Porém quando olho para a espuma dos dias mais recentes parece-me que a recente vaga de desilusões bloesfericas que levam a abandonos e saídas e cartas de despedida se deve a essa angustia que assola as mentes que criam e que sonham poder por palavras sobreviver. Só há uma angustia maior que a da página vazia, que é a angustia do texto acabado e o autor vazio. Quando queremos escrever e publicar todos os dias arriscamo-nos com a mesma intensidade a ver reflectido no espelho do écran a solidão extrema dos textos acabados, nada pode ser tão devastador para quem goste de palavras do que o cadáver de um texto olhando-nos cego na cara e ausente de vida.

Mas não vou deixar de escrever, no blog e fora dele.

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