domingo, abril 1

O Senador Erótico

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Rihanna com Boneco de Pau.
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"Completamente oposto ao bom Regália era o seu despótico e extravagante chefe: o senador, professor e director Paollo Mantegazza. Era ele o verdadeiro nume do Museu, da Sociedade e do Archivio. Era ele que tinha fundado este triângulo científico; era ele que tinha imposto o ensino da antropologia nas universidades italianas; era ele o homem célebre, o polígrafo popular, o presidente, o chefe, o soberano, o tirano, o padre eterno de tudo.

Paolo Mantegazza, quando o conheci, rondava pelos sessenta anos, mas sempre direito, rijo, vigoroso, de tez viva, com olhos imperativos e observadores apesar de enterrados numas olheiras de bistre, vincadas por papos arroxeados. Usava uns grandes bigodes à celta e uma pêra branca à Napoleão, uma longa cabeleira que lhe caía pelo pescoço, como a do poeta Aleardi, e tinha um grande sinal numa das faces. Era um belo homem e sabia-o; era famoso e sabia-o; era poderoso e sabia-o; era também libidinoso e via-se.

Quando voltava de Roma, alto e envolto na sua peliça de grandes bandas, com a sua voz lombarda que ressoava até à última sala do Museu, dava realmente a impressão de um poderoso na terra, e todos lhe chamavam, por antonomásia o Senador.

Considerara, muito antes de Sigmund Freud, que o sexo era o fundamento, a chave e a essência da vida humana, e se tivesse tido um pouco mais de paciência, de doutrina e de génio, teria podido preceder os sexologistas dos nossos dias e deixar uma enciclopédia sexualista semelhante à que compôs mais tarde Havelock Ellis. Tinha escrito "A Fisiologia do Amor", dois volumes sobre "Amores dos Homens", "Um dia na Madeira" (romance sobre o acasalamento entre casais de doentes), "Uma página da higiene do amor", e enflorava de conselhos e de anedotas eróticas o seu "Almanaque Higiénico", mas faltava-lhe uma teoria, uma ideia sua. Por mais que tivesse pensado toda a vida nas mulheres e na conjugação dos sexos, não aprofundara nem resolvera problema algum: contentava-se com rebuscar em livros de história e de etnografia todas as notícias que lhe surgissem sobre a vida sexual, mas, de seu, apenas punha um pouco de lasciva malícia e de literatura, entre o materialista e o romântico.

Tinha um gabinete amplo, forrado de volumes de ciência, mas, por cima da secretária, por cima da sua cabeça, havia um espaço sem livros: ocupava-o o retrato de uma mulher formosa, vestida de malha, de cara gorda e provocante: era o retrato de Miss Zaco, uma famosa amazona de circo. Era a sua Vénus, a sua divindade protectora naquele sacrário da ciência do homem. Mas não se contentava com aquela imagem: já velho, desposou uma rapariga que, segundo diziam as más-línguas, nem sempre lhe era fiel. Mas ele não se importava; e consta ter dito um dia: "Semeie o campo quem quiser, contanto que o campo seja meu".

Paolo Mategazza, não obstante um certo verniz romântico, era um dos mais ingénuos materialistas que acaso encontrei. Certo dia, discutindo psicologia comigo, saiu-se com esta frase, que daria por inventada se a não tivesse ouvido com os meus ouvidos: "Quando um dia virmos passar a alma sob os nossos microscópios fixados no cérebro, todos estes problemas serão resolvidos".

Mas a sua obra-prima a este respeito foi a criação daquilo a que ele chamava o Museu Psicológico. Ao fundo do Museu de Antropologia havia uma porta sempre fechada: e a chave estava fechada à chave na secretária de Mantegazza. Mas quando me foi dado granjear, com o andar do tempo, a estima do Senador, consegui obter uma vez a tal chave e penetrar no proibido recesso da minha ciência predilecta. O Museu Psicológico consistia numas três salitas ladeadas de altas vitrinas: Na primeira, estava escrito: Vaidade. Havia lá dentro pesados colares de pedras de cor, diademas de latão incrustados de pedaços de espelho, brincos em forma de escaravelhos gigantes, sapatinhos chineses, e, sobretudo, condecorações imperiais e reais e de outras ordens honoríficas já em desuso, de todos os países.

Numa segunda vitrina estava escrito: Crueldade. Continha correntes de galeote, estranhos engenhos dentados, facalhões bárbaros e gravuras que representavam cenas da Inquisição em Espanha. A terceira vitrina era dedicada à Luxúria. Exibia curiosos anéis dos quais se serviam, ao que parece, certos selvagens na cópula : uma almofadinha em feitio de bóia, usada na China por certas luxuriosa requintadas; fotografias obscenas onde homens e mulheres tinham o rosto tapado por mascarilhas pretas. Mas a preciosidade mais vistosa era uma escultura romana em bronze, na qual a obsessão erótica de Mantegazza julgava ter reconhecido uma cena de pederastia, quando, para qualquer visitante não prevenido, se tratava apenas de Hércules tentando agarrar Anteu pelas costas para o derrubar.

As duas últimas vitrinas ostentavam o rótulo: Sentimento Religioso. Aí figuravam rosários e amuletos, um moinho de orações proveniente do Tibete, cilícios, um ou outro ex-voto de velha prata. Mas os mais notáveis documentos de mania religiosa consistiam em longas tiras de pele humana curtida, em que se viam as tatuagens da Madonna do Loreto, e, por baixo, os ferros que tinham servido para marcar para sempre nos braços e no peito dos penitentes os símbolos da Virgem e do Filho.

Com tão heteróclita confusão de trapalhadas, o senador Mantegazza julgava ter ali protegidas pelo vidro as maiores manifestações do espírito humano e possuir o material mais seguro da psicologia positiva. Aquele pequeno museu - agora desaparecido ou disperso sabe-se lá por onde - ficou-me na memória como o mais cómico monumento da parvoíce materialista do século XIX."

No Museu parece que não havia lugar para os submersos e resgatados ossos do "homo amorudo"!


Giovanni Papini in "O Passado Remoto"

Edição de 1971 dos Livros RTP exumada algures num alfarrabista

1 comentário:

Anónimo disse...

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