quinta-feira, dezembro 10

“Juízes em causa própria”

...
Todos sabemos que Portugal é uma República corporativa. O "estado de direito social e democrático" é tantas vezes um mero adereço que usamos para nos convencermos de que somos progressistas. Infelizmente a realidade terrena encarrega-se de fazer prova do nosso atraso e das nossas dependências. Uma sociedade e uma economia refém de interesses corporativistas é sinal de que vigora entre nós um darwinismo social que disfarçamos com as mesuras dos usos e costumes da República.
O laboratório social que aí está é fértil em exemplos dessa realidade, e tanto assim é que temos vindo a assistir a uma corporativização da nossa sociedade, por exemplo, com o aumento de Ordens e Associações Profissionais e o decréscimo do relevo social dos Sindicatos! Outros exemplos de erupção corporativista vamos encontrando na espuma dos dias e nas notícias feitas por encomenda.
Recentemente o Presidente do Conselho Distrital dos Açores da Ordem dos Advogados, uma das mais poderosas corporações de ofícios da nação, veio a público fazer a defesa da classe. Pelo menos de parte da classe. Em entrevista a um jornal de referência – (Açoriano Oriental de 30 de Novembro) - insurgiu-se contra o suposto "clientelismo" em benefício de amigos comuns que são sempre os mesmos a beneficiarem com os ajustes directos feitos pelo poder a concretos e determinados advogados. Entre alegações de "tráfico de influências", e queixumes de que são sempre os do costume a arrebanharem as boas avenças do sector público, ainda houve lugar para uma doutrina proteccionista contra os grandes escritórios de Lisboa que para os Açores "só vêm para ganhar dinheiro por influência". Convenientemente sobre este ânimo de denúncia pública perpassou uma selectiva amnésia sobre outros dramas da corporação. Como por exemplo serem sempre os mesmos aqueles que são cooptados pelos "amigos" do poder, designadamente regional, para fazerem o favor de integrarem como vogais os Conselhos de Administração de sociedades com capitais públicos e poderosos interesses, nomeadamente, na Banca, nos Seguros, nos Transportes e no sector Energético. Esqueceu ainda a denúncia dos avençados do costume cujos serviços mínimos financiados pelo Estado asseguram uma renda permanente e uma notoriedade pública que lhes permitiu, e permite ainda, alcandorarem-se às tribunas mais ilustres da República. Omitiu ainda que o recurso pelo Estado, por via da contratação pública, à adjudicação de serviços a sociedades de advogados decorre de imposição legal que tem sido manifestamente restritiva para a celebração de contratos de avença a profissionais liberais em nome individual pois, por regra, o Estado deve contratualizar com uma "pessoa colectiva". Consequentemente, nos Açores surgiram estrategicamente várias sociedades de advogados, e ainda parcerias locais com sociedades sedeadas no Continente e especializadas em determinadas áreas do Direito. Curiosamente não se questiona ou suspeita sequer que, porventura nalguns casos, o fato tenha sido feito à medida do próprio "alfaiate", mas tão só a perda de rendimentos e o perigo de um suposto êxodo de profissionais do foro para outras paragens.
Assim se faz actualmente a defesa de uma classe profissional indispensável ao País e à Região. Mas o estalão foi há muito marcado pelas diatribes do actual Bastonário da Ordem dos Advogados que tem vindo a nivelar o debate sobre a Justiça e sobre a Ordem como se as respectivas classes profissionais fossem personagens-tipo do calibre de feirantes populares. Aqui temos o corporativismo no seu pior e apenas orientado pelo tilintar da vil pecúnia que uns possuem e que outros apenas ambicionam ou invejam vir a possuir.
Registei com ironia que esta denúncia pública dos advogados seniores da nossa comarca contra as mega sociedades de advogados, supostamente em defesa da classe, tem os mesmos personagens que foram capazes de perseguir disciplinarmente os seus colegas estagiários que no inicio do primeiro mandato do actual Conselho Distrital fizeram "greve" a um regime de apoio judiciário manifestamente iníquo e desprestigiante para a profissão de advogado. Não fica bem e geralmente dá maus resultados "sermos juízes em causa própria"...especialmente quando nos esquecemos do passado.

João Nuno Almeida e Sousa nas crónicasdigitais do jornaldiario.

Sem comentários: