sexta-feira, abril 13

Best Of :ILHAS

Caros amigos da escrita e da leitura:

Estamos hoje aqui, neste espaço sugestivamente designado "Morada da Escrita", para nos associarmos aos autores do projecto editorial :ILHAS na apresentação pública do último número da revista, depois de uma interrupção, creio que involuntária, ou, pelo menos, indesejada, de mais de um ano.

Penso que, antes de mais, este relançamento da :ILHAS justifica que seja dirigida uma felicitação aos seus autores: manter vivo um projecto de cariz cultural num momento histórico dominado pela voracidade comercial, sem ceder à tentação de desligar a máquina quando os sinais vitais se mostram debilitados, é um feito digno de nota. Relançar este mesmo projecto, reformulado nos moldes que nos são descritos por Pedro de Mendoza, no "Editorial a 4 mãos" que abre este número: "de uma revista de cultura, generalista, graficamente apelativa, gratuita, feita nos Açores. Para uma revista de cultura, generalista, graficamente apelativa, gratuita, feita nos Açores" - é um feito ainda mais notável: no mínimo, é um sinal de persistência corajosa, de convicção inabalável no que deve ser feito e de se estar a fazer o que deve ser feito; no máximo, é um testemunho perigosíssimo de teimosia criativa.

Mas outras novidades se anunciam: neste mesmo editorial, o João Pedro Vaz de Medeiros promete, "como condição estrutural" a compartimentação "das áreas de intervenção, apostando na leitura objectiva de textos e na apresentação per si de todas as intervenções gráficas". Se bem percebo estas palavras, o texto e a imagem gozarão, nos próximos números, de espaços e de tratamento distintos, embora homogeneamente repartidos. Devo dizer que este número é um bom exemplo da distribuição quase equitativa do espaço destinado à palavra e à imagem.

A este propósito, gostaria de deixar uma sugestão: dada a reconhecida preponderância da imagem na sociedade e cultura contemporâneas, gostaria de encontrar na :ILHAS apontamentos de análise de produtos visuais, independentemente do género a que pertençam. A cultura é cada vez mais invadida por imagens provenientes de vários sectores: seja artística, publicitária ou instrumental/funcionalista, a produção iconográfica já não é apenas ilustrativa: ela precisa de ser interpretada, desmontada na sua lógica aparentemente inocente, mas subrepticiamente manipuladora e eficazmente persuasiva, pelo que se justifica que uma revista atravessada pela intenção de (e cito agora palavras de Alexandre Pascoal neste mesmo editorial) "transpor para as ilhas uma determinada estética contemporânea: nas ideias, nas imagens, nos projectos, no modo de vida" inclua a crítica, no seu sentido etimológico (fazer passar por um crivo), das imagens que se apoderam do nosso olhar, porque este nosso olhar está muitas vezes distraído, quase sempre desinformado ou mal informado. Creio que assim se cumprirá melhor o objectivo enunciado por Vítor Marques de manter o projecto "vivo e atento à realidade do meio em que se insere e às exigências do público a que se dirige".

Quanto ao conteúdo deste número, tal como anunciado na capa é um "Best of", uma compilação de momentos do passado, de histórias e de imagens (outra vez a imagem) em que não falta a reprodução das capas dos números anteriores: Suponho que este número há-de ter criado dificuldades aos seus organizadores quanto aos conteúdos a reeditar. É sempre difícil seleccionar aquilo que de melhor se publicou quando tudo foi feito visando a qualidade. A solução que encontraram para superar esta dificuldade foi, no meu entender, altruísta e descentrada:

O melhor que aqui vemos e lemos qualifica empreendimentos que surgiram nas ilhas, não o melhor da revista. Por outras palavras, este número celebra sobretudo o que de melhor o ambiente físico e cultural do arquipélago possui, numa generosa homenagem à influência do meio sobre o fim; neste caso, o fim é o produto editorial.

Por conseguinte, mais do que um número de despedida, este é sobretudo um número de reconhecimento e de celebração, um número que revisita lugares e colaboradores, recorda textos e momentos de partilha, manifestando a importância que estes contributos continuam a ter, na hora em que se anuncia a viagem rumo à segunda série.

Fica-se à espera de uma outra espécie de melhor. O melhor que ainda não aconteceu, e o melhor ainda não escrito, fotografado e impresso.

Portanto, este é um momento sui generis: estamos numa sessão de lançamento que é um relançamento de uma revista que ainda não se apresenta como se irá apresentar no próximo número. É-nos servida uma pequena dose de ambiguidade que nos mantém expectantes quanto ao que virá a seguir.

E já que falei em lançamento, permitam-me um pequeno parênteses nesta apresentação da :ILHAS.

Como é do conhecimento de todos, uma sessão de lançamento é um acontecimento no qual se dá a conhecer um produto textual recém-publicado, com a finalidade de suscitar no público o desejo de um conhecimento mais profundo e directo do seu conteúdo.

Há várias formas de se lançar uma revista ou um livro. Pode-se optar por uma descrição mais material do volume: número de páginas, tipo de papel, opções gráficas, ficha técnica, etc.; pode-se dissertar sobre a natureza essencial do género (neste caso, o que é uma revista, como deve apresentar-se, que objectivos deverá esforçar-se por atingir, etc.); pode-se também fazer uma síntese dos principais conteúdos que a publicação apresenta, títulos dos artigos, resumo dos editoriais e por aí fora; pode-se, maldosamente, ignorar o objecto em causa e divagar sobre um ou outro pormenor tepidamente com ele relacionado, e pode-se ainda dedicar alguns minutos à compreensão dos significados do verbo "lançar" - que é o que eu vou fazer agora, adoptando, portanto, uma linha de actuação perfeitamente legítima.

Uma consulta apressada a qualquer dicionário permite-nos desenvolver imagens gráficas e conceptuais curiosas sobre as formas que esta sessão poderia tomar. Entre os significados mais recorrentes, encontramos os seguintes:

1. arremessar com força;
2. atirar, arrojar, deitar, vomitar, apontar, dirigir, inscrever;
3. produzir, expelir, exalar, espalhar, derramar, atribuir;
4. pôr em voga;
5. fazer constar;
6. indagar;
7. e a minha preferida: fazer nascer.

Sinto-me tentada a completar esta lista com outros sinónimos, tais como: "soltar" e "libertar", verbos, aliás, semanticamente próximos da acção de fazer nascer pois só uma personalidade muito perversa, egoísta e sádica faria nascer algo para, em seguida, o aprisionar.

Onde eu quero chegar com esta pequena amostra de erudição semântico-lexical é à seguinte conclusão:

Apesar dos vários sentidos que podemos encontrar no vocábulo "lançar", todos eles exibem algumas características comuns: Senão vejamos: nada pode ser lançado sem antes ser tocado, seja este lançamento da ordem do arremesso, seja da ordem da divulgação; tudo o que é lançado percorre um caminho, e ao fazê-lo mostra-se ao olhar, estimula o pensamento, encoraja a acção.

Posto isto, termino a minha intervenção desejando que a revista :ILHAS continue a ser uma presença física próxima do olhar e do toque de todos nós para que cumpra a sua missão reprodutiva de "fazer nascer". Os produtos culturais não só espelham a sociedade em que se integram, não só a interpretam e a representam simbolicamente, como também são forças poderosas de construção social. Assim sendo, não gostaria de finalizar a apresentação deste número sem deixar expresso o desejo que ele seja último apenas em duas acepções do termo: último porque mais recente, e último porque conclusivo de um ciclo que corresponde à primeira fase editorial. Esta publicação ocupa um espaço importante no registo cultural da sociedade açoriana e faço votos para que a segunda série prossiga, de boa saúde, a sua caminhada no sentido da divulgação e da construção do que de melhor se vai pensando e fazendo por cá.

* Intervenção de Leonor Sampaio na Morada de Escrita a 24.03.07 aquando do lançamento do nº BestOf da :ILHAS

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