terça-feira, junho 7

«AINDA SOMOS UM POVO QUE QUER SER RESPEITADO»



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«Um, dois, três, fascistas pró xadrez» era o slogan jacobino da contra-manifestação que palmilhou as ruas de Ponta Delgada, no remoto dia de 17 de Junho de 1975, a favor da expurga dos supostos cérebros do 6 de Junho de 1975. Essa turba revolucionária, que marchava sob a batuta proletária dos «ideais de Abril», seguia animada pelo ímpeto de varrer do roteiro do PREC os «reaccionários» cuja amostra mais simbólica estava encarcerada na Terceira depois do «raid» nocturno de 9 de Junho de 1975. Hoje os ecos dessas vozes não estão nas ruas mas são ainda perscrutáveis noutros palanques do poder.

Volvidos 30 anos sobre o «verão quente», apesar da distância que o tempo concede, o erro revolucionário da prisão sem justa causa de 32 Açorianos, operada por militares na calada da noite de 9 de Junho de 1975, e executada por esbirros colaboracionistas com o Gonçalvismo, à laia de retaliação contra a manifestação de 6 de Junho de 1975, permanece até hoje como uma nódoa na bandeira da nossa Autonomia. A mesma bandeira que hoje nos une sob um protector Açor, e que, em 1979, mereceu a reserva do Partido Socialista no Plenário da Assembleia Legislativa Regional por fazer lembrar o Milhafre da bandeira da FLA! Hoje, todos o sabemos, a realidade é outra - é a vida, ou como diriam os clássicos: sic transit gloria mundi.

Seja como for a história da Autonomia dos Açores não poderá ser escrita deixando em branco as páginas do 6 de Junho de 1975 e das suas consequências. Antecede o 6 de Junho de 1975 a «questão do leite», que alimentou o desagrado da lavoura Micaelense, e foi o pretexto para a sublevação mas, o contexto era mais vasto e tinha no seu horizonte travar os desmandos sovietizantes que à data colocavam Portugal à beira de um precipício comunista, instigado pelo COPCON e pela restante tropa que se revia constantemente em ícones revolucionários, cujo paradigma oscilava entre Fidel Castro e Nicolae Ceausescu. Não admira pois que a execução das prisões dos supostos organizadores da revolta de 6 de Junho de 1975 tenha sido marcialmente encenada, permanecendo até hoje o mistério de saber se resultaram do livre arbítrio do General Altino Magalhães ou se este, enquanto Comandante Militar dos Açores, cumpriu ordens de Lisboa. Esta poeira do acessório não deve contudo desviar-nos da principal conclusão histórica de que o 6 de Junho de 1975 marcou o início da queda do Gonçalvismo, pelo que, a primeira derrota do projecto comunista para Portugal teve lugar em Ponta Delgada e não na Fonte Luminosa em Lisboa. Efectivamente, o 6 Junho de 1975 está, nos seus efeitos, para os Açores e para a Autonomia, como o 25 de Abril de 1974 está para Portugal e para a Democracia.

Na verdade, após as eleições de 25 de Abril de 1975, o PCP com a cumplicidade do MFA, preparava-se para usurpar o poder, argumentando, com a cassete do costume, que o resultado eleitoral era a materialização da «reacção contra-revolucionária»... isto apesar de 91 % dos Portugueses terem acorrido às urnas. Recusava também essa realidade o camarada Otelo Saraiva de Carvalho que, desde Julho de 1974, era o Comandante do COPCON e que ostensivamente ambicionava a cubanização de Portugal. Ora, este pesadelo sofreu o seu primeiro revés nos Açores com a revolta do 6 de Junho de 1975 que ficou assim geneticamente imbricada na futura consagração Constitucional da Autonomia. Esta veio a ocorrer menos de um ano depois do alevante Independentista, quando a Assembleia Constituinte, em 2 de Abril de 1976, aprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa.

Apesar da bonomia fraterna do texto Constitucional, é crível que a Autonomia, além de se fundar nas ditas ancestrais aspirações das populações insulares, foi para o centralismo, e, seus sequazes continentais ou insulares, o contrafeito e forçado golpe de misericórdia nas aspirações de Independência vigentes nas vésperas da Constituinte. Assim se compreende e faz sentido que, decorrido menos de um ano sobre o 6 de Junho de 75, o poder Constituinte tenha reconhecido a Autonomia como uma medida política, de natureza integracionista, que inquinaria irremediavelmente qualquer intentona pró-Independência.

Embora omissos nas páginas da história oficial do poder há Açorianos, designadamente os do 6 de Junho de 1975, que mereciam, ainda que a título póstumo, ver o seu nome em letra de forma ao lado de outros como Aristides Moreira da Mota, Mont'Alverne de Sequeira e Caetano de Andrade de Albuquerque. Sob a legenda dessa gesta de homens, que fizeram dos Açores a sua pátria, poderia com justiça ler-se apenas um outro slogan (em contraponto à marcha de má memória do «um,dois,três, fascistas pró xadrez»), que em 6 de Junho de 1975 pulsava num dos cartazes da manifestação: «Somos um povo que quer ser respeitado».

João Nuno Almeida e Sousa; Edição de Hoje do Jornal dos Açores.

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(post-scriptum: ainda sobre o 6 de Junho de 1975 e embora divergente da perspectiva que aqui deixo recomenda-se a leitura do post do João Pacheco Melo, no lugar do costume; em termos Jornalísticos a melhor cobertura do 6 de Junho de 75, e dos seus actores, poderá ser encontrada no notável trabalho de Nuno Costa Santos para a revista Grande Reportagem... do qual facultarei cópia aos interessados (se aindo os houver!); finalmente, mas não menos relevante, seria tempo de coligir todas as brilhantes (à falta de melhor predicado!) entrevistas ao elenco de personagens que estiveram dos dois lados do 6 de Junho de 1975, e que o Nuno Costa Santos executou para o Açoriano Oriental)... prometo voltar a postar sobre o 6 de Junho de 1975 na data do seu cinquentenário!!!
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