quinta-feira, junho 24

Matraquilhos

...
Já todos sabemos que o desporto rei e as torturantes vuvuzelas do Mundial 2010 vão compondo a banda sonora destes dias. Não sabíamos era que tão popular gosto afectasse as sensibilidades aristocráticas de certa classe política. Vem isto a propósito do coro de vozes que, pela partitura do costume, se indigna com a "ocupação" da praça Gonçalo Velho em Ponta Delgada com o sazonal "Mundialito" para celebração da festa do futebol. Entre prima donnas, com afiadas performances de soprano e tenores de ocasião, que replicam a voz do dono, lá vão compondo um bel canto de supostas "aberrações". O libreto desta opereta parece feito de encomenda para, no gran finale, enfiar mais uma estocada na Câmara Municipal da Dr.ª Berta Cabral. Com efeito, como aliás confessou uma das vozes Socialistas na Assembleia Municipal, a iniciativa - que tem o apoio da câmara municipal - até era boa se tivesse lugar nas "Portas do Mar" ! Nas "Portas da Cidade" - (com a inevitável parceria da câmara municipal) - é que não podia ser por abusiva ocupação do espaço público e abarracamento do mesmo ! Isto tem um nome cuja adjectivação deixo à imaginação do leitor. O certo é que o argumento é sempre o mesmo: a utilização das "Portas da Cidade" para este evento do "Mundialito", ou qualquer outro de cariz popular promovido pela câmara municipal, constitui um "crime" de "lesa património". Paradoxalmente esse mesmo património é convenientemente esquecido quando a congregação política da rosa o toma de empréstimo para campanha política em época de eleições. Por exemplo: A "abusiva ocupação" da respectiva praça deixa de o ser quando, como já o fez o PS, a mesma é objecto da instalação de toda a parafernália audiovisual de propaganda eleitoral, incluindo, o estacionamento de carros de campanha que não são propriamente "utilitários". O mal, como se vê, não está na forma como se utiliza o património, que é de todos, mas sim do ressabiamento de uma iniciativa que, por razões que não importa remexer, não teve lugar nas "Portas do Mar". O mal, como se adivinha, está numa afectação de certa classe política, nada e criada no remanso do ar condicionado dos salões cor-de-rosa e que, na verdade, olha com desdém e sobranceria para toda e qualquer iniciativa que seja popular. Não têm culpa mas fisiologicamente têm alergia a tudo o que cheire a Povo. Fazem-lhe a corte na época de caça ao voto mas em período de defeso repugna-lhes a proximidade física com os seus rituais antropológicos, como essa coisa tribal do futebol. Para essa casta superior da política essas e outras manifestações populares deveriam estar escondidas do espaço público, ou simplesmente nem sequer deveriam ter lugar em praça pública como, por exemplo, há muito vêm defendendo para as Grandes Festas do Espírito Santo em Ponta Delgada que este ano vão já na sua VII edição para agrado de imensos "populares". Quanto ao "Mundialito" não há razão para tanto alarde: ele vai continuar nas "Portas da Cidade" com a participação popular de quem vibra com o desporto das multidões e ignora os jogos de salão. Até Julho por lá vão passar "populares" q.b. para ver as transmissões dos jogos, especialmente da selecção, em ambiente de convívio transversal a todas as idades. Entretanto o espaço será usufruído por escolinhas de formação, equipas de futsal, torneio de empresas e o mais que o "povo" quiser. Poderia este evento ter lugar noutro espaço menos nobre da cidade de Ponta Delgada como as "Portas do Mar"? Poder podia ! Mas não era a mesma coisa. O resto são matraquilhos.

João Nuno Almeida e Sousa nas crónicasdigitais do jornaldiário.com

Sem comentários: