domingo, maio 2
O ‘sonho’ não é coisa vã
Antero por Columbano Bordalo Pinheiro
O verso de Antero de Quental que 'inspira' esta crónica surge a propósito do Projecto de Resolução que o Grupo Parlamentar do PS/Açores apresentou na passada semana, na Horta, e que visa a criação de Roteiros Culturais.
A iniciativa, sendo simples, é muito mais ampla do que aquilo que possa, aparentemente, parecer. Primeiro, porque promove a transmissão da cultura e identidades regionais, através de um formato que, sendo lúdico, é, simultaneamente, pedagógico, junto quer daqueles que nos visitam, quer também dos que aqui moram.
A proposta sugere que o primeiro Roteiro Cultural a criar seja o de Antero de Quental, um "génio que era um santo", nas palavras de Eça de Queirós, e que foi também, como se sabe, uma das figuras mais marcantes de toda a cultura portuguesa e o símbolo maior da Geração de 70.
Sugere também que se requalifique o "Largo da Esperança", situado no Campo de São Francisco, lugar onde Antero de Quental se suicidou e onde habita a sua memória... E que é, por estes dias, um sítio marginal e que padece de falta de visibilidade e dignidade.
Ora, sistematizar esta memória, a par de outras que a própria proposta sugere – e, no caso de Antero, na cidade que o viu nascer e morrer –, é da mais elementar justiça...
Construir o futuro de um lugar, seja ele qual for, pressupõe que se conheça o passado, sem ceder à vulgar tentação de lhe "apagar" etapas. Ora, a criação de Roteiros Culturais, para além de divulgar os nossos maiores e as nossas memórias, convida a que todos possam fruir dos percursos históricos que fizeram a história destas ilhas, em todos os domínios.
Haverá, por certo, quem estranhe esta criação; quem ache (menos do que entenda), que esta não é fundamental ou que é até desnecessária ou, porventura, já exista. Nestes dias, em que a rapidez do anúncio é o que mais importa, em detrimento daquilo que realmente é, esta coisa de contar a nossa história, em passos, pode, porventura, parecer esdrúxula. Mas, não faz mal. Trataremos de que tal não venha a acontecer.
O facto é que um lugar que parece ter muito para oferecer, mas que pouco ou quase nada tem organizado, parece quase não existir no tempo da sua história. O turismo cultural, que é, hoje em dia, uma das vertentes turísticas que mais cresce e se desenvolve em todo o mundo, encontra nalguns dos nossos lugares poucas razões para vingar. Esta é uma oportunidade para encurtarmos esse caminho e fazermos com que haja mais motivos para "enriquecermos" o património que está à nossa mercê.
É por isso que a criação destes Roteiros Culturais, que serão de Antero, como de outras figuras maiores da nossa Cultura (casos de Nemésio, Lacerda, Dias de Melo, Correia Rebelo, Canto da Maia, entre outros), é o contrário de uma visão redutora, que faz depender somente da memória recente e de narrativas mais ou menos dispersas de um passado glorioso, o que se espreita na gaveta fechada ou se encontra circunscrito a um círculo de alguns, poucos.
Nesta medida, torna-se ainda mais pertinente a concretização desta proposta – a da criação de Roteiros Culturais nos Açores – pela descoberta e abertura de novos motivos para sermos, ainda mais, parte integrante da nossa história e, com ela, fruirmos dos percursos de um tempo novo, que muito deve aos que por cá passaram antes de nós.
Alexandre Pascoal, Abril 2010
* Publicado no Açoriano Oriental de 30.04.10
** Republicado via Repórter - X
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