terça-feira, fevereiro 6

O voto Nim e a morte do Referendo

Pelo sim pelo não e já receoso do que viria a acontecer, lá fui eu ontem, ao contrário do meu colega João Nuno, assistir ao Prós e Contras da RTP 1. O que assisti seria caricato se não fosse extremamente sério. Durante quase 4 horas, um grupo de gente sem escrúpulos, prestou o pior serviço à Democracia que eu já vi, é quase como se a sociedade no seu todo tivesse sucumbido de vez aos pés dos ditames da ditadura mediática, sendo que o maestro para essa noite, apropriadamente vestida de preto, chamou-se Fátima Campos Ferreira. Eu, que gosto de futebol, fico irritado quando os árbitros se põem a dar mais de cinco minutos de desconto, mesmo quando é a minha equipa que está a perder. Neste caso, que é bem mais importante, foi dado todo um jogo para que uma das equipas pudesse, à segunda, tentar ganhar o confronto e, mais grave ainda, como já se tornou apanágio da equipa do Não, recorrendo mais uma vez aos golpes baixos da demagogia fácil e à mais desaforada mentira. O Não sabe que ganhando o Referendo tudo ficará como está, não se alterará a lei nem a pena, continuar-se-ão a fazer abortos clandestinos, e Portugal insistirá em ser um dos países mais atrasados da Europa em matéria legislativa sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez. É esta a regra democrática, é esta a força do Referendo e é isto que o Não quer, é por isto que o Não luta, com todas as armas que lhe vem à mão. A pouco menos de uma semana de irmos a votos o Não, em desespero de causa, decide lançar o caos no eleitorado agitando com a bandeira de um suposto nim a uma pergunta que só tem duas respostas, ou não ou sim. Durante os últimos dias, ontem durante quatro horas, querem convencer os portugueses de que votando Não alguém, que não se sabe quem, num futuro, que não se sabe quando, tratará de estabelecer uma regra em que sempre que houver um processo nos tribunais por matéria de aborto será estabelecida a Suspensão do Processo. Ou seja, o aborto é um crime, continuam a proliferar os abortos clandestinos, são instaurados processos às pessoas envolvidas nesses crimes, mas suspendem-se os processos e não há pena de prisão. Os do Não querem que as pessoas acreditem que com isso não se penaliza a mulher, como se o facto de não haver uma condenação pelo tribunal fosse uma forma benigna de tratar as mulheres, como se o estigma social não fosse já de si uma pena, como se esse enorme A que pintamos no peito dessas mulheres não fosse uma pesadíssima pena imposta sobre a mulher já de si penalizada por ter que recorrer à clandestinidade para abortar. É isto que o Não quer, é este tipo de atitude que o Não advoga. É então também a isto que é preciso dizer não votando SIM. Quanto mais não seja porque isso que o Não quer e que não se coíbe de alardear aos portugueses é impossível e o Não sabe. Se o Não ganhar a lei fica como está e nenhum legislador sensato se vai por a escolher crimes puníveis ou não puníveis, mas isso o Não não diz ao eleitorado. O Não, que está já totalmente mergulhado no buraco negro da incoerência, impregnado pelo êxtase de dogmas e morais antigas, quer apenas e só, que tudo fique como está, que não se mude nada e para conseguir isso, mistifica, ilude, engana, mente. Neste Referendo só há dois votos possíveis, dois votos com consequências muito distintas. Um voto Sim que permite ao Estado despenalizar quem faça um aborto, por opção da mulher, até às dez semanas, em estabelecimento de saúde devidamente autorizado. Um voto Sim que com isso permite reduzir drasticamente o número de abortos clandestinos, que dá condições de igualdade a todas as mulheres portuguesas e que faz Portugal avançar para junto da maioria dos países europeus. E um voto Não, que deixa tudo com está, no segredo e na precariedade do vão-de-escada, na punição moralista e retrógrada.

Há porém um outro problema neste agudizar da campanha e no turbilhão em que o País parece que mergulhou. A enorme profusão de argumentos e de acções de campanha que se vão multiplicando pelo País fora, deixam muito pouco espaço para a importantíssima reflexão que todos deveríamos fazer. Estamos perante um Referendo, que é, ou deveria ser, um dos mais importantes e significativos instrumentos da Democracia, é o paradigma da democracia participativa, mas em Portugal, começa a ser cada vez mais claro, que ninguém do Não quer saber de participar na democracia. A única vontade do Não é perpetuar um determinado status quo, consentâneo com a sua mundi visão moralizante e reaccionária. Para isso impõem na sociedade os argumentos mais básicos e rasteiros, gerando a confusão e o desalento e levando as pessoas a ignorar o Referendo. Debater num Referendo desta forma maniqueísta e irracional é o princípio do fim da própria instituição do Referendo. Mas aqui a culpa não é só do Não, ou melhor, dentro do Não a culpa tem um rosto, tem duas caras, que dão pelo nome de António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa. Estas duas figuras é que decidiram, levados pelas suas próprias convicções religiosas, que devia ser o povo a lutar entre si para decidir sobre uma matéria que é da consciência individual de cada um. A minha esperança, para bem do País, para bem de futuros referendos, é que a sociedade portuguesa tenha evoluído o suficiente para perceber que o Estado não tem que impor comportamentos em matéria de consciência e que por isso vote maioritariamente no Sim neste Referendo.

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