quinta-feira, maio 11

Portugal não é a Sicília

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Portugal não é a Sicília, mas o certo é que este post, que abaixo transcrevo com a devida vénia, deixou-me circunspecto a pensar nas analogias. Em suma: excelente e pertinente prosa do Dr. José Francisco Moreira das Neves no Joeiro.
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«A propósito do crime organizado Baltazar Garzón, em "Um Mundo Sem Medo" narra uma estória que era contada pelo juiz Falcone e que corre mais ou menos assim: para atingir os seus objectivos políticos, numa capital de distrito siciliana, a cerca de dois meses das eleições locais, a máfia cortou radicalmente o fornecimento de heroína na região. Como consequência imediata aumentaram os preços dessa substância no mercado, o que por sua vez fez disparar o número de assaltos a casas e pessoas. Estas começaram a queixar-se do aumento da insegurança. E a máfia, puxando uns cordelinhos, cobrando uns favores, amplificou essas queixas na comunicação social. Certo é que no dia das eleições o partido dessa "malta", que havia inscrito no seu programa o fim da insegurança, ganhou. Logo que a vitória foi alcançada abriu-se de novo a torneira da heroína, o que fez baixar os preços e sequentemente o número de assaltos. Aparentemente a delinquência diminuiu. Mas a de colarinho branco, aquela que por ser invisível ninguém dela se queixa, aumentou sub-repticiamente. Chegou a hora de cobrar as sinecuras pactuadas: contratos, concessões, obras públicas, etc.
Parando para reflectir sobre a narrativa fica o burro a pensar: mas onde é que eu já vi isto?
Portugal não é a Sicília. Certo. Nem nunca aqui algum dia se falou de máfias. Certo. Falham as premissas!
É verdade que se vão ouvindo uns quantos (poucos) subversivos referirem, por exemplo, que esta converseta dos privilégios, da falta de produtividade dos trabalhadores e da falência do sistema de previdência, assacada a quem trabalha, a quem paga impostos e a quem toda a vida descontou para a segurança social, desvia as atenções das verdadeiras mordomias a que, evidentemente, só se acede por cartão (nas empresas públicas e participadas, nos institutos públicos e nas empresas privadas dos amigos, para onde se vai depois da "vida pública"). Também não se compreende bem, dizem, porque é que a maré de sacrifícios e de verdade "nas contas públicas" ignora as reformas (verdadeiramente) milionárias ao fim de meia dúzia de anos (ou menos), os lucros fabulosos da banca e não acaba com a lavandaria (off-shore) da Madeira. Lembram ainda a ameaça que uma vez um alto dirigente fez em público, dizendo que quem se metia «com eles» levava? Parece que alguns "deles" se terão portado mal e foram mesmo incomodados. Verdade verdadinha é que mal "eles" chegaram ao poder e logo, talvez por acaso, os primeiros «privilegiados» visados foram os juízes. Também referem que esta coisa de qualquer bicho careta, jornalista, comentarista, economista ou qualquer outro "ista" pouco mais que analfabeto passar, num repente, a especialista em questões de justiça, lhes parece um pouco estranho.
Mas nem Portugal é a Sicília. Nem nunca aqui algum dia alguém falou de máfias. Falham as premissas.»

José Francisco Moreira das Neves.

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