domingo, junho 6

« 6 de Junho de 75 » - Prólogo da Autonomia na jornada para a Democracia. -



Partilho a ideia de que o 6 Junho de 1975 está, nos seus efeitos, para os Açores e para a Autonomia, como o 25 de Abril de 1974 está para Portugal e para a Democracia.

Na verdade, foram as consequências, directas e indirectas, do movimento do 6 de Junho que determinaram a consagração Constitucional da Autonomia dos Açores. Se a História tivesse acolhido outro rumo, ignorando os acontecimentos de 6 de Junho 75, o destino dos Açores pós - 25 de Abril nada de novo tinha para oferecer aos Açorianos, porquanto, estes certamente subsistiriam das doseadas migalhas que, graciosamente, seriam distribuídas através das Juntas Gerais.

Em favor desta tese concorre desde logo o itinerário irreversível da História, cuja evocação acentua que a consagração Constitucional da Autonomia ocorreu decorrido menos de um ano sobre o 6 de Junho de 75, quando a Assembleia Constituinte, em 2 de Abril de 1976, aprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa.

Esta, apesar de viver uma desvairada paixão marxista-leninista tutelada militarmente pelo Conselho da Revolução , - ( órgão político do Estado que, originária e funcionalmente, era manifestamente autocrático e antidemocrático, mas que, paradoxalmente, nos termos da Constituição era o « garante do regular funcionamento das instituições democráticas »,isto naturalmente, à luz « da fidelidade ao espirito da Revolução Portuguesa de 25 de Abril » ) - , reconhece que « o regime politico-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nos condicionalismos geográficos, económicos e sociais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares ».

Apesar da bonomia fraterna do texto Constitucional, é crível que a Autonomia, além de se fundar nas ditas ancestrais aspirações das populações insulares foi para o centralismo, e seus sequazes continentais e insulares, o contrafeito e forçado golpe de misericórdia nas aspirações de Independência vigentes nas vésperas da Constituinte.

Assim, volvido menos de um ano sobre o 6 de Junho de 75, é de ponderar como razoável a circunstância de em 76 o poder Constituinte ter reconhecido a Autonomia como uma medida política, de natureza integracionista, que inquinaria irremediavelmente qualquer intentona pró-Independência.

Em suma, o 6 de Junho de 75 está na génese fundadora da Autonomia dos Açores. Estes, sem o contributo Popular daquele movimento, actualmente seriam apenas mais um distrito de Portugal. Assim, causa alguma perplexidade que novas e velhas autonomias não prestem a devida homenagem ao Povo de São Miguel que, participando no movimento do 6 de Junho 75, participou na fundação da Autonomia dos Açores e na construção da Democracia Portuguesa.

Importa rememorar que o 6 de Junho de 75 emerge como uma manifestação de protesto da lavoura Micaelense, sendo esta motivada pela grave crise que atravessava o sector agro-pecuário em particular, e, a economia Nacional em geral.

Ora, a conjugação dos desvarios sovietizantes com um comprometido militarismo, protagonizado na região por um General que actuou como «comissário político» do PREC, resultou na proibição, emitida pelo mesmo «caudilho», da manifestação anunciada para o dia 6 de Junho. Esta, apesar da tentativa militar de cerceamento de uma liberdade cívica e democrática, realizou-se, e, teve uma magnitude cujas repercussões determinariam o futuro dos Açores e de Portugal.

Na verdade, o que se seguiu à proibição de uma simples manifestação sectorial promovida pela lavoura Micaelense foi o que História assevera e que tantos tentam diminuir, ou seja , a eclosão de uma manifestação Popular que revolucionou as estruturas sociais Açorianas e a organização do poder político na região.

O que se seguiu, em 9 de Junho de 75, sem que até hoje, o Estado tenha assumido qualquer responsabilidade, foi o prepotente, arbitrário, e ilegal , raid nocturno de detenções efectuadas por militares, a mando do dito «Generalíssimo» mancomunado com o COPCON em Lisboa.

Nessa madrugada, militares fardados, com as armas engatilhadas e prontas a disparar, arrancaram das suas residências, aqueles que supostamente eram os organizadores da manifestação. A estes chegaram a cometer o rasteiro embuste de afirmar que seriam detidos para meras averiguações no quartel general, quando, o destino dos mesmos veio a ser o cárcere de Angra do Heroísmo e, para o efeito, já os aguardava um navio da marinha de guerra Portuguesa.

O que se seguiu, nesse inolvidável Verão de 75, foi a manifestação de protesto contra o 6 de Junho que, congregando um diminuto ajuntamento de situacionistas do período revolucionário em curso, rejubilou-se publicamente com as prisões efectuadas pelo concubinato entre poder político e militar.

Todavia, o Povo não foi indulgente para com os intolerantes que exultavam a prisão de quem apenas exercia uma liberdade de consciência sem arrimo no império da «vontade revolucionária». Daí que o dito ajuntamento não mereceu o beneplácito da adesão Popular.

O que se seguiu foi a execução de um encarceramento colectivo sem assistência Judiciária, ao arrepio dos Tribunais que não validaram as detenções, sem darem origem a qualquer Julgamento e a coberto de uma torpe e cobarde denúncia anónima que, apesar de ter um fácies, provavelmente, encapotou os restantes mentores que, em conciliábulo, obraram a ignominiosa lista.

O que se seguiu foi a inevitável generosidade Açoriana que manteve a solidariedade e a coragem nos dias em que duraram as prisões.

O que se seguiu e parece perpetuar-se, foram os silêncios institucionais e pessoais que calaram a história recente dos Açores e, que assim, ainda está por escrever, mas que é já tempo de a ir construindo.

As repercussões do 6 de Junho não se quedaram pelo impulso decisivo à fundação da Autonomia, porquanto, atingiram dimensão Nacional confluindo para a consolidação da Democracia em Portugal. Recorde-se que, apesar dos ímpetos separatistas, que muitos genuinamente perfilhavam na Manifestação de 6 de Junho, é, certo que outros participaram naquele movimento Popular com o desígnio de lutar contra o delírio comunizante que ameaçava a instauração da Democracia. Na verdade, em 1975, o «Gonçalvismo», aliado ao COPCON liderado por um folclórico Otelo Saraiva de Carvalho, ameaçadoramente estonteado com o «Castrismo», ambicionava para Portugal não uma Democracia Livre, mas sim uma «ditadura do proletariado» suavizada pelo epíteto de «democracia popular».

Assim, a estratégia do PCP e do MFA, tentando inverter o desaire eleitoral de 25 de Abril de 1975, - ( importa evocar o revés do PCP quando, nas eleições para a Constituinte, nas quais 91% dos Portugueses acorreram às urnas, obteve apenas 12% dos votos, tendo o PPD alcançado 26% dos votos, e o PS atingiu a vitória com 38% dos votos ; o revés foi igualmente do MFA na medida em que os resultados da vontade Popular desautorizavam a sua orientação politica ) - , foi a do assalto ao poder, arquitectando um progressivo domínio dos diversos sectores do Estado por « comissários políticos » empenhados no totalitarismo de feição comunista.

A execução da investida ao poder começou com a nomeação dos Governadores Civis, e, prosseguiu com o domínio das Comissões Administrativas das Câmara Municipais, chegando a alcançar a nomeação dos ditos « comissários políticos » para a administração das empresas nacionalizadas e, ainda, influenciando a gerência de algumas empresas privadas, acossadas pelos efeitos das «acções de dinamização cultural» que, nomeadamente, espargiam a «autogestão».

O êxito destas operações deveu-se à militância comunista e da extrema-esquerda, coadjuvada pelas tácticas militares disponibilizadas por elementos do MFA que, em conjugação de esforços, realizavam peregrinações revolucionárias pelo País, promovendo nomeações e incentivando saneamentos.

O «quarto poder» ao cair nas mãos do Estado, por via da nacionalização dos órgãos de comunicação social, sucumbiu ao domínio comunista. Este desfigurou a comunicação social transformando-a em agente de desinformação e de ostensiva propaganda , que, inevitavelmente, censurava os inscritos no índex do PCP/MFA.

Na rua e a coberto das referidas circunstâncias, iniciou-se a ameaça aos «capitalistas» e « fascistas» que, residualmente, eram todos aqueles «reaccionários» que não estavam com a revolução do camarada Vasco Gonçalves.

É neste clima de terror que emerge o 6 de Junho de 75 representando a primeira advertência de que os Açores, com a sua secular tradição Liberal, não seriam cúmplices de um projecto de Estado que pela coacção e contra a vontade expressa nas primeiras eleições livres e universais, imporia um regime comunista e militarista. É assim que , subsequentemente, ao 6 de Junho de 75, o País contempla a sublevação Nacional e Popular que, nos meses seguintes, desafiou o «Gonçalvismo» abrindo o caminho para a Democracia.

A História registou de forma indelével os factos do 6 de Junho de 75 e, na minha perspectiva, aqueles determinaram a fundação da Autonomia e da Democracia. Os factos vão permanecer e resistir, perpetuando amostras de um passado que não deve ser esquecido e do qual urge fazer a sua História ,antes que seja tarde de mais e apenas reste inventariar a sua Arqueologia.

( Nota de Edição : Agradeço a indulgência de quem aqui chegou. Este texto é longo mas é indispensável para manter a Memória e espero que contribua para reacender o debate sobre este tema de incontornável interesse histórico.

Confesso que não é inédito e que no essencial foi já publicado no Correio dos Açores de 6 de Junho de 2000. No essencial mantive o mesmo texto e as mesmas convicções, no acessório procedi a um realinhamento ortográfico.

Neste dia 6 de Junho de 2004 gostaria de evocar o trabalho de Nuno da Costa Santos que quase 25 anos depois do 6 de Junho de 1975 realizou um profundo e notável trabalho jornalístico reconstruindo factos e personalidades. Curiosamente o seu trabalho causou alguma «comichão» política à esquerda e à direita e, ainda, alguns polémicos mistérios e segredos que ficaram por desvendar. Não sei se o Nuno Costa Santos passa aqui por estas : Ilhas mas, se o faz e por acaso aqui encalhou, para ele um grato abraço e da minha parte uma modesta homenagem pelo ímpar trabalho jornalístico que desenvolveu sobre o 6 de Junho. )

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