domingo, setembro 6

a epistemologia dos factos


Não o posso confirmar com absoluta certeza, mas das muitas coisas que a Covid nos levou, a primeira talvez tenha sido a ponderação e o bom-senso. Uma mistura abanada de desconhecimento e medo transformaram-nos a todos em pólos opostos de um yin-yang de palpites, convicções de rede social e certezas assertivíssimas à lá Rodrigo Guedes de Carvalho. De um lado os paladinos do bem, os arautos da Saúde Pública, as Autoridades magnânimas e infalíveis que defendem o bem e a Vida, excepto dos velhinhos, coitados, largados ao fétido abandono de lares como o de Reguengos ou o do Nordeste. Do outro nós, cidadãos, mais ou menos remediados, mais ou menos instruídos, mas que por termos dúvidas, por não aceitarmos os “factos” ou por vermos a vida a desaparecer-nos debaixo dos pés, fazemos perguntas e somos, por isso, imediata e inapelavelmente apelidados de Trumps e Bolsonaros. Algures, entre o começo disto tudo e agora o bom-senso desapareceu. A ponderação deu lugar ao autoritarismo arrogante e o diálogo, o debate de ideias, foi totalmente obliterado pela ditadura da bipolarização ideológica dos paladinos do fascismo higienista. Ou estás comigo ou és um Trump ou, pior, um Bolsonaro. Isto porque a tentativa de exposição ao ridículo sempre foi uma boa forma de bulliyng, principalmente porque nos poupa de pensar numa argumentação. Ou então é apenas pelo facto de Stefan Lofven ou Anders Tegnell serem nomes mais difíceis de pronunciar e personalidades menos conhecidas do cidadão comum. Já agora, os dois senhores são o Primeiro-ministro e o epidemiologista chefe da Suécia, um país com o qual é sempre mais difícil fazer chacota. Mas há um outro problema nesta táctica política da banalização do adversário. É que, a ciência não se faz com certezas, mas com hipóteses, e aquilo que é facto num dia pode já não o ser no seguinte. Veja-se o caso das máscaras, que primeiro eram contraproducentes e desnecessárias e que depois se tornaram obrigatórias. Mesmo depois dos imensos alertas de médicos e especialistas para os perigos do seu uso continuado, da sua inutilidade e até o malefício do uso em espaços abertos, as máscaras tornaram-se indispensáveis e imprescindíveis e preparamo-nos para torturar milhares de miúdos, e outros habitantes do Universo escolar, com o uso diário de máscaras entre 6 a 8 horas por dia, isto apesar de haver um consenso mundial de que as crianças e jovens não constituem um grupo de risco e de que o uso de máscaras pode ter consequências nefastas na oxigenação do cérebro e na concentração. Hoje, o mundo está dividido em dois tipos de idiotas: os que usam as máscaras e os outros, nós, iguais idiotas, que usamos as máscaras mesmo sabendo que são idiotas, as máscaras e nós com elas. Isto, é um facto! Como todos os epidemiologistas tem dito a análise de uma pandemia só se faz no fim, mas a mim o que me incomoda é essa confiança cega no “prá frente é que é caminho” mesmo quando não se conhece o que está à frente e, pior, quando o que fica para trás é um estranho e doloroso odor a terra queimada.  

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