terça-feira, maio 17

Life after 1979

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"Como crianças suburbanas, nadávamos à noite em piscinas à temperatura do sangue, piscinas da cor da Terra como se vê do espaço. Mergulhávamos em pêlo, os meus amigos e eu: a boazona da Stacey, com compridos cabelos louros e corpo de Barbie de Malibu ; Mark, o nosso atleta silencioso; Kristy, a nossa máquina de fazer piadas ruiva e sardenta; Julie, a "voz da razão", com um corpo dentro da "média estatística"; o careta do Dana, esquiador, bronze-mel, sem linha de demarcação do bronzeado e suspeito de ter carradas de massa, e Todd, o pudico, sempre o último a despir-se e mesmo assim tirava sempre a roupa interior debaixo de água.

Boiávamos e andávamos nus, fingíamos que éramos embriões, fingíamos que éramos fetos, todos em silêncio, à excepção do murmúrio do filtro da piscina. Tínhamos o espírito vazio e os olhos fechados enquanto boiávamos na água quente, reduzida a nada a distinção entre os nossos corpos e os nossos cérebros, banhados em cloro e iluminados por luzes puramente azuis instaladas por baixo das pranchas de mergulho.

Às vezes dávamos as mãos e formávamos um anel, como os astronautas no espaço; outras vezes, quando nos sentíamos mais isolados no nosso estupor fetal, esbarrávamos uns nos outros no fundo, como gémeos com os quais nem sequer soubéssemos que partilhávamos um útero.

Depois embrulhávamo-nos em toalhas e íamos andar de carro em estradas que rasgavam a montanha onde morávamos – por entre as árvores, passando as divisórias, de piscina para piscina, de cave para cave, sendo o movimento interminável em si um substituto de formas mais alargadas de pensamento.

O rádio ia ligado, cheio de canções de amor e música rock. Acreditávamos na música rock, mas acho que não acreditávamos nas canções de amor, nem então, nem agora. A nossa vida passava-se no paraíso, o que tornava inútil qualquer discussão de ideias transcendentais. A política, acho eu, morava noutro lugar, na negação televisiva do paraíso; a morte era algo semelhante à reciclagem.

A vida era um encanto mas não tinha política nem religião. Era uma vida de filhos dos filhos dos pioneiros – a vida depois de Deus - , uma vida de salvação terrena no limiar do céu. Talvez isso seja o melhor a que podemos aspirar, a vida em paz, uma zona indistinta entre a vida de sonho e a vida real; e, no entanto, acho-me a dizer estas palavras com uma sensação de dúvida.

Acho que ainda houve uma transacção algures no percurso. Acho que o preço que pagámos pela nossa vida dourada foi a incapacidade de acreditarmos verdadeiramente no amor; em vez disso, adquirimos uma ironia que distorce tudo aquilo em que tocamos.

E pergunto-me se essa ironia foi o preço que pagámos pela perda de Deus.

Mas então tenho que me lembrar que somos criaturas vivas...temos impulsos religiosos...Devemos...Mas, afinal, por que fendas escorrem estes impulsos num mundo sem religião ? É uma coisa em que todos os dias penso. Penso às vezes que é a única coisa em que vale a pena pensar"

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DOUGLAS COUPLAND - A VIDA DEPOIS DE DEUS.

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