quinta-feira, maio 7

Facturação

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Tombou no recente calendário das efemérides mais um Dia Mundial do Livro. Para quem tem o prazer e a veneração da leitura, seja em que formato for, não deixa de causar espanto o desprezo que os Portugueses, em geral, dedicam à mesma. Justificará essa recusa atávica ao poder do conhecimento, e ao prazer das letras, o facto de que "ler, é uma actividade posterior à de escrever: mais resignada, mais cortês, mais intelectual"? Esse era um diagnóstico que poderíamos abusivamente tomar de empréstimo a Jorge Luís Borges, até porque a tirania da maioria seria incapaz sequer de identificar tal personagem como um dos maiores escritores de sempre. No nosso remanso lusitano até o poeta do Portugal moderno confessa: "Ai que prazer / Não cumprir um dever, / Ter um livro para ler / E não o fazer! / Ler é maçada, / Estudar é nada. / O sol doira / Sem literatura." Com um lastro de costumes deste calibre como poderiam os Portugueses serem "sensibilizados" - (que é como se sabe um eufemismo politicamente correcto para substituir "educados") - para as vantagens da leitura? Sendo a modernidade avessa ao volume dos clássicos não creio sequer que seria prudente sugerir, como início, o intrépido ataque a uma obra de fôlego como a "Montanha Mágica" de Thomas Mann. De igual modo não há tempo, nem vagar, para consumir cerca de mil páginas que relatam um dia (!) na vida de Leopold Bloom no clássico "Ulysses" de James Joyce. Não se esperam feitos desta dimensão de um povo geralmente arredio destas coisas da cultura. Porém, mesmo ao nível da leitura quotidiana, e da imprensa diária para consumo imediato, os indicadores são confrangedores, com excepção para as tiragens efectivas da "Bola" e similares. Também aqui não será totalmente imputável a culpa aos indígenas da Pátria pois a tendência de domesticação dos media passa por comprar os mesmos, nomeadamente, com páginas inteiras de propaganda ou de publicidade "institucional", tantas vezes entremeada com os anúncios do "relax" que, enchendo o olho, divertem e distraem o leitor do que é essencial e sério. Panorama idêntico é o que emerge dos dados disponíveis para as novas formas de comunicação e leitura. Por exemplo, no campeonato das novas tecnologias de informação Portugal ocupa o "pelotão da frente" da iliteracia digital. Segundo dados do Eurostat mais de metade dos Portugueses – 54% para ser rigoroso - são completamente ineptos para lidar com as competências básicas, por exemplo, de um pueril computador "Magalhães" ! Presumo que essa inépcia seja selectiva para as mais-valias da informática e da net porque nos restantes domínios, designadamente, do que é obsceno, seguramente que levamos vantagem de avanço sobre os restantes vizinhos da UE. Como se pressente na raiz deste mal está uma deficitária educação de base que em nada é tributária da misérrima dimensão do País. Com efeito, não faltam nações bem mais pequenas do que Portugal, mas com outros índices de desenvolvimento sustentados numa educação e qualificação profissional de primeira linha. Nós por cá continuamos na cauda do Mundo, desde logo, porque Portugal continua a ter a taxa mais elevada de abandono escolar e os índices mais elevados de mão-de-obra sem qualquer qualificação de toda a União Europeia. Na verdade, a fazer fé nos dados da OCDE, aproximadamente 60% dos trabalhadores Portugueses não têm qualquer formação específica para a ferramenta que usam! Numa Pátria com este quadro seria de esperar elevados níveis de literacia? Obviamente que a pergunta era retórica e a resposta negativa. Enquanto não dermos um salto qualitativo na educação-formação-qualificação não seremos capazes de contrariar o nosso triste fado. Para já, este peso da ignorância, vai ser contabilizado negativamente na factura da actual crise económica.
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João Nuno Almeida e Sousa nas crónicasdigitais do jornaldiario.com

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