quinta-feira, janeiro 12

BOCAGE



Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:

Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de moças mil) num só momento
Inimigo de hipócritas, e frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia, em que se achou cagando ao vento.


Auto Retrato du Bocage

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Nado e criado em Setúbal, no dia 15 de Setembro de 1765, Manuel Maria Barbosa du Bocage é um dos mais notáveis sadinos. Bocage é o poeta popular e licencioso que deixou vasta obra de poesia vernácula e de má fama. Viveu no turbilhão dos ecos da Revolução Francesa que lhe terão particularmente tocado pelo desejo de Liberdade e pela costela francófona herdada de seu avô.

Correu as agruras do Império tendo iniciado a sua breve carreira marcial como oficial em Goa, para onde embarcara em 1786 a bordo da nau «Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena» ! De caminho aportou ao Rio de Janeiro, pelo que, depois de ter passado pelo «eldorado» ultramarino teve como deplorável o posto de Goa. Nomeado para Damão...naturalmente desertou. Consequentemente, andou aos caídos pelo Oriente e embarcado em torna viagem regressa à Capital em 1790.

Como assegura a iconografia do «Café Nicola», Bocage foi um habitué da boémia lisboeta e dos lupanares da capital. Mas, foi também um associado revolucionário do grémio literário que dava pelo nome de «A Nova Arcádia».

Em 10 de Agosto de 1797, por ordem de Pina Manique, celebérrimo Intendente Geral das Polícias de então, e efectivo poder em Portugal dada a inépcia de D. Maria I , foi preso e acusado de ser «autor de papéis ímpios e sediciosos», e de alinhar com os desmandos da Revolução Francesa que ambicionava importar para Portugal pois, como se dizia, era um dos «fautores da subversão». Pavorosa Ilusão da Eternidade (também conhecido por Epístola a Marília) foi o poema que constitui a prova principal do auto de acusação.

Encarcerado no Limoeiro (cujo célebre postal de Bocage na Prisão evoca um cárcere idealizado) é posteriormente depositado ao cuidado da Santa Inquisição. Para ser reeducado, recolhe ao Convento de S. Bento e, mais tarde, ao Hospício das Necessidades.

«Liberdade, onde estás? Quem te demora?», terá por certo sido a divisa da sua vida. Volvidas as agruras do cárcere, do convento, e do hospício - (qual delas a pior?) - regressou à vida desregrada, até que um aneurisma o condenou a uma miserenta existência, já que o pouco pão que metia à boca provinha da venda de rua dos seus poemas.

A sua saúde sempre frágil, ficou cada vez mais debilitada, e em 21 de Dezembro de 1805, com apenas 40 anos de idade, foi sepultado na Igreja das Mercês.

Ficou o mito e a obra de um dos mais populares poetas Portugueses, a que se associa a irreverência como arma contra o despotismo e a indigência hipócrita. Bocage foi em vida perseguido e censurado, pelo que, muitos dos seus poemas só postumamente viram a luz do dia. Para um bosquejo do calibre dos ditos poemas eróticos, e se for maior de idade, clique aqui.

«Manuel Maria Barbosa du Bocage, controverso, sedutor, ousado, mulherengo e acima de tudo, o primeiro dos poetas românticos». É esta a apresentação da séria que amanhã, sexta-feira 13, pelas 22 horas e 15 estreia no Canal 1 da RTP.
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posted by João Nuno Almeida e Sousa

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