segunda-feira, dezembro 20

A ironia do veto

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Assistimos, atónitos, aos cortes nas urgências médicas de especialidades tão díspares como a pediatria ou a psiquiatria. Sabemos, por ser impossível de esconder, a vergonha a que esta espécie de Estado Social condena os nossos idosos duplamente penalizados pela sua condição geriátrica e pela ineficiência de apoios, domiciliários ou institucionais, que se não fossem as Misericórdias e as IPSS nem sequer existiriam com o mínimo de dignidade que lhes é devida. Conhecemos, por ninguém ser capaz de calar, a indignação que aí vai pela perversão de uma sociedade de rendimento mínimo que existe muitas das vezes apenas para sustentar pessoas que até poderiam prestar serviço comunitário na nossa sociedade. Vemos, com revolta, a asquerosa miséria que insidiosamente se vai infiltrando na nossa sociedade atrás do véu do baile de máscaras socialista que, em estado de negação, insiste que os Açores são a réplica do salão dourado que é o seu habitat.

A verdade é que para lá da festa os Açores e os Açorianos vivem à beira do estado de necessidade. Sem perspectivas a longo prazo estão reduzidos à luta pela sobrevivência em repetidas batalhas quotidianas para se libertarem do sufoco financeiro. Que medidas de excepção toma o Governo Regional para acudir a este estado de urgência social? Responde com um cheque-subsídio com endosso exclusivo para um determinado escalão de funcionários públicos. Um apoio com um "target" específico e para garantir o "way of life" de quem, felizmente, tem um rendimento entre os 1500 e o 2000 €uros. Infelizmente essa é uma minoria dos Açorianos e uma minoria dos funcionários administrativos e operacionais da Região Autónoma.

Esta operação de charme sobre os beneficiários do subsídio da remuneração complementar, e das respectivas famílias, poderá até passar na propaganda como uma medida que não custará um cêntimo à República e ao Orçamento do Estado - (o que é falso) - mas poderá custar milhões à Região. Os danos colaterais são previsíveis e a invocação da cláusula de solidariedade nacional para com os Açores tem a sua validade inquinada.

Hoje, de modo transversal, apesar da realidade ser outra, somos vistos do outro lado do Atlântico como uma região tão próspera que se dá ao luxo de distribuir dividendos pelo aparelho da máquina administrativa regional quando a "guilhotina" do OE é tendencialmente afiada para todos.

Entretanto, o Representante da República para os Açores, no uso das suas competências, vetou a proposta de Orçamento Regional à conta da norma que cria uma "remuneração compensatória igual ao montante da redução remuneratória total ilíquida efectuada, por via do diploma do Orçamento do Estado, em relação aos trabalhadores da Administração Regional, cujas remunerações totais ilíquidas mensais, nos termos previstos naquele diploma orçamental, se situem entre €1.500 e €2.000". Como bem expressou na nota justificativa sobrarão sempre "razões de carácter ético, ou ético-político, que desabonam e condenam uma tal medida".

Como todos sabem não está em causa uma questiúncula jurídico-constitucional mas uma tempestade política que foi alimentada por Carlos César. O Presidente do Governo Regional dos Açores ao invés de contribuir para a bonança ainda afrontou pessoalmente o autor do veto sugerindo não perder tempo como comentador de textos literários. Convenhamos que o direito de discordar do teor do veto dispensaria o remoque sobre o seu autor.

Lamentavelmente é um comissário da República quem põe o dedo da ferida pois é, por estas e por outras medidas, estes e outros "apartes", que "o centralismo existe, efectivamente. E curiosamente, e por ironia, alimenta-se de situações como esta."

João Nuno Almeida e Sousa na edição de hoje do Açoriano Oriental

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