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Breve passagem pelo Hospital de Ponta Delgada por razões pediátricas, sem moléstia de maior, e partilho a sala de espera da radiologia com um octogenário ali prostrado por razões bem mais fortes do que as geriátricas!
Está afundado numa cadeira de rodas. A roupa em desalinho e pontuada com o sangue que jorrava da cana do nariz visivelmente fracturada. Na cabeça ligaduras, numa polpa de sangue e cabelos, e ainda um hematoma cujo crescimento era contrariado por um saco de gelo. Faço conversa:
- Então valente queda? - Não sei porquê mas logo que coloquei o ponto de interrogação na conversa de circunstância senti-me arrependido por o ter feito.
-Queda? Não! Foi um filho da puta de um filho que eu tenho.
-Desculpe ?
-Um filho da puta que eu tenho em casa é que me pôs neste estado.
-É doente ?
-Não ! É mas é bêbado e foi-me à carteira para me roubar !
Depois disto um silêncio suplicante pela chamada à radiologia. Na saída cruzei-me com dois agentes da PSP envergonhados com o papel que o seu dever de ofício exigia. Estavam ali para explicar ao velho que tinha direitos, que iam identificar o filho para posterior procedimento criminal e que o homem até poderia achar "graça" (sic.) mas a lei obrigava-os a informar a vítima de que tinha direito, além do processo crime, a pedir uma indemnização ao agressor. O velho respondeu, por deferência, que nada daquilo lhe interessava e que já era a terceira vez que ia dar com os costados no banco do hospital depois de ser brutalizado na sua própria casa pelo seu próprio filho. Um dos constrangidos polícias, com pueril honestidade, retorquiu que apenas estava a fazer o seu dever e que o dever do velho era queixar-se tantas vezes quanto possível ao Tribunal…até podia ser que desta vez o Juiz fizesse alguma coisa. Boa noite e passe bem com as possíveis melhoras, foi este o epílogo do registo policial desta ocorrência.
Assim vai a saúde do nosso Estado de Direito Social ! Assim medra uma Justiça formal que protege os fortes contra os mais fracos da nossa sociedade desamparados sequer da mais elementar segurança. Triste País este em que um cidadão depois de violentado, pelo sangue do seu sangue, ainda sofre a desdita agressão de um Estado incapaz de lhe garantir os mínimos de segurança. O velho lá ficou na radiologia. Amanhã estará de regresso a casa para os braços armados do filho. Os polícias regressam à sua rotina de notificações e ao giro da normalidade que se compraz nos formalismos mas que se arrepia com qualquer medida mais securitária. Eu hoje deito-me assim: ainda mais desiludido com este Portugal por cumprir e com esta Democracia, dita Social, que tantas e tantas vezes na realidade é um embuste financiado pelos contribuintes a favor de quem menos merece o Estado Providência.
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Breve passagem pelo Hospital de Ponta Delgada por razões pediátricas, sem moléstia de maior, e partilho a sala de espera da radiologia com um octogenário ali prostrado por razões bem mais fortes do que as geriátricas!
Está afundado numa cadeira de rodas. A roupa em desalinho e pontuada com o sangue que jorrava da cana do nariz visivelmente fracturada. Na cabeça ligaduras, numa polpa de sangue e cabelos, e ainda um hematoma cujo crescimento era contrariado por um saco de gelo. Faço conversa:
- Então valente queda? - Não sei porquê mas logo que coloquei o ponto de interrogação na conversa de circunstância senti-me arrependido por o ter feito.
-Queda? Não! Foi um filho da puta de um filho que eu tenho.
-Desculpe ?
-Um filho da puta que eu tenho em casa é que me pôs neste estado.
-É doente ?
-Não ! É mas é bêbado e foi-me à carteira para me roubar !
Depois disto um silêncio suplicante pela chamada à radiologia. Na saída cruzei-me com dois agentes da PSP envergonhados com o papel que o seu dever de ofício exigia. Estavam ali para explicar ao velho que tinha direitos, que iam identificar o filho para posterior procedimento criminal e que o homem até poderia achar "graça" (sic.) mas a lei obrigava-os a informar a vítima de que tinha direito, além do processo crime, a pedir uma indemnização ao agressor. O velho respondeu, por deferência, que nada daquilo lhe interessava e que já era a terceira vez que ia dar com os costados no banco do hospital depois de ser brutalizado na sua própria casa pelo seu próprio filho. Um dos constrangidos polícias, com pueril honestidade, retorquiu que apenas estava a fazer o seu dever e que o dever do velho era queixar-se tantas vezes quanto possível ao Tribunal…até podia ser que desta vez o Juiz fizesse alguma coisa. Boa noite e passe bem com as possíveis melhoras, foi este o epílogo do registo policial desta ocorrência.
Assim vai a saúde do nosso Estado de Direito Social ! Assim medra uma Justiça formal que protege os fortes contra os mais fracos da nossa sociedade desamparados sequer da mais elementar segurança. Triste País este em que um cidadão depois de violentado, pelo sangue do seu sangue, ainda sofre a desdita agressão de um Estado incapaz de lhe garantir os mínimos de segurança. O velho lá ficou na radiologia. Amanhã estará de regresso a casa para os braços armados do filho. Os polícias regressam à sua rotina de notificações e ao giro da normalidade que se compraz nos formalismos mas que se arrepia com qualquer medida mais securitária. Eu hoje deito-me assim: ainda mais desiludido com este Portugal por cumprir e com esta Democracia, dita Social, que tantas e tantas vezes na realidade é um embuste financiado pelos contribuintes a favor de quem menos merece o Estado Providência.
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