Fez ontem uma semana que o Presidente da República se decidiu por não pedir a fiscalização preventiva das alterações à legislação laboral. Na mensagem de promulgação do diploma, Cavaco Silva diz que na análise realizada “não foram identificados indícios claros de inconstitucionalidade que justificassem a intervenção do Tribunal Constitucional” e realça ter tido “presente os compromissos assumidos por Portugal junto das instituições internacionais”, bem como o apoio de “larga maioria parlamentar”.
Não se percebe esta atitude e muito menos os argumentos aduzidos.
Comecemos pelo fim. O argumento da aprovação por larga maioria parlamentar não é de todo suficiente e muito menos coerente. De facto, noutras circunstâncias, perante diplomas aprovados por unanimidade – como foi o caso do Estatuto Político-Administrativo dos Açores – o PR não se eximiu de pedir a respectiva fiscalização preventiva. Não pode, pois, vir agora invocar este argumento que contraria a sua própria posição noutras situações. Haja o mínimo de congruência…
Em segundo lugar, o próprio memorando da Troika, que hoje serve de desculpa para tudo, na parte respeitante à legislação do trabalho refere explicitamente: “Serão implementadas reformas na legislação do trabalho e de segurança social (…), tendo em consideração as possíveis implicações constitucionais (…).” Era o que faltava que não fosse assim… Mas mesmo assim o próprio memorando quis dizer o que é pressuposto num Estado Constitucional. Constitui, pois, directriz genérica para toda a faina legislativa imposta pelo memorando o cuidado com “possíveis” desconformidades entre os diplomas a publicar e a Constituição da República Portuguesa. É este, ao contrário do que diz o PR, o compromisso que Portugal assumiu junto das instituições internacionais e não qualquer outro. O Memorando é aquele e não o que está na cabeça do Senhor Presidente.
Mas o que mais importa – e como se isto não bastasse – é que o PR jurou defender a Constituição. E a Constituição também é aquela, não é outra.
Quem tenha seguido, mesmo que pela rama, o que a este propósito escreveram os mais destacados especialistas da matéria, alguns deles próximos da área ideológica do Governo, e alguns dos quais terão decerto sido ouvidos pela Presidência da República, sentirá sérias dificuldades em entender a afirmação de que “não foram identificados indícios claros de inconstitucionalidade”.
Pois, na verdade, existem na lei promulgada vários “indícios claros” de inconstitucionalidade material. E apenas por escrúpulo é que digo “indícios” e não “evidências”, notando que “indícios” bastam para que se torne politicamente imperiosa a “apreciação preventiva”.
Que “indícios claros” são esses? Aponto sucintamente os que têm sido mais propalados (a jeito de nota para não nos perdermos em juridiquês):
a) O banco de horas é potencialmente incompatível com a “conciliação da actividade profissional com a vida familiar” (art. 59º da Constituição), sobretudo se baseado em acordo individual (que pode ser tácito), o que condiciona fortemente a possibilidade de oposição eficaz do trabalhador.
b) A eliminação de feriados e a redução das férias para os trabalhadores mais assíduos têm como consequência, para a generalidade dos trabalhadores, um acréscimo de sete dias de trabalho efectivo por ano sem contrapartida remuneratória – o que se confronta com o direito “à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade” (ainda no art. 59º).
c) A suspensão de cláusulas das convenções colectivas que tratam das contrapartidas do trabalho suplementar, com a posterior retoma de eficácia mas com conteúdo modificado pela lei, confronta-se com o “direito de contratação colectiva” (art. 56º, nº 3).
d) A eliminação do ónus, que a lei actual impõe ao empregador, de verificar se há posto de trabalho alternativo para um trabalhador em risco de despedimento tem que ser contrastada com a proibição dos despedimentos sem justa causa estabelecida pelo art. 53º da Constituição.
e) A reformulação do processo de cálculo das compensações por despedimento visa reduzir drasticamente os seus montantes, embaratecendo a destruição de emprego e desvalorizando a perda do emprego como facto socialmente negativo, sendo minimizada a “garantia da segurança do emprego” constante do art. 53º da Constituição — “garantia” cujo sentido preceptivo se dirige, justamente, ao legislador ordinário.
Não se grita daqui que a lei é totalmente inconstitucional, nem que os pontos referidos são indiscutíveis. Apenas se afirma que se trata de dúvidas legítimas, razoáveis e bastantes para que a questão da inconstitucionalidade fosse suscitada em termos preventivos — sabendo-se, como se sabe, que, não sendo assim, virá a colocar-se em moldes sucessivos, com efeitos nefastos para a segurança jurídica.
O que me parece é que, com esta opção, o PR não impede a declaração de inconstitucionalidade, que certamente ocorrerá em relação a algumas destas normas em sede de fiscalização sucessiva. O que o Presidente verdadeiramente impede é o “enrascanso” de Seguro. Se o PR enviasse o diploma para o TC e o TC se deparasse com alguma inconstitucionalidade, o diploma voltaria à Assembleia, tendo de ser aprovado por maioria de 2/3. Isto significa que a simples "abstenção violenta" deixaria de valer, pois sem os votos a favor do PS o diploma não passaria. Seguro teria de se definir…
À parte disto, para mim a batalha é sempre a mesma… Não aceito que a Constituição possa ser vista como um obstáculo a superar. Num Estado de Direito não é assim. Se a Constituição não serve para nos proteger do poder político e executivo em tempos de crise, então serve para quê? Para nos proteger em tempos normais?! É sobretudo em tempos de crise que se atropelam direitos fundamentais… Olhe-se para a História! É em tempo de crise que precisamos de Estado de Direito e de Constituição. E é esta batalha que pessoalmente não posso prescindir...
Douto Couto
ResponderEliminarEu gosto da constituição Portuguesa. Mas esta minha grande admiração por este fantástico doc não me impede de aceitar um facto elementar: a política é, entre outras coisas, a redefinição permanente do possível e do permitido. Nada na política é eterno, incluindo as constituições.
Quanto ao caso especifico, diria o seguinte: SE a constituição foi violada, cabe às partes interessadas, partidos políticos/sociedade civil, CONTESTAR a constitucionalidade das politicas a implementar ou já implementadas.
O meu profundo respeito pela constituição portuguesa tb não me impede de perceber que este documento não é perfeito. É através da política que se altera a realidade (incluindo os regimes juridicos). Nada é para sempre.
O governo PSD pretende alterar a constituição.
Acerca disso não tenho qualquer dúvida.
Deveria mudar a constituição ANTES de implementar as medidas. Assim asseguraria um "minimo de coerência", como diz V Exa, e muito bem.
Parabens pelo post.
Muito bem pensado e escrito.
"Seguro teria de se definir…"
ResponderEliminarLOL
isto é pedir muito
o homem é incapaz de tal coisa
quando o Costa chegar ao topo, aí o PS muda...e talvez ganhe!! gosto do Costa. Directo, pragmático, honesto e muito trabalhador. Gosto muito dele. :)
Caro José Couto
ResponderEliminarParabéns pelo post e pela frescura que tem trazido ao Ilhas com temas capazes de sacudir um certo marasmo...
Independentemente da estrema justeza e clarificação do texto, tenho a dizer que o problema da Constitucionalidade, começa logo na composição do Tribunal Constitucional ser de escolha Partidária, já no caso do imposto extraordinário de 80(2.8%)imposto por Mário Soares quando da Vinda da Troika, foi claramente inconstitucional, mas a composição do tribunal era justaposta ao bloco Central, e o imposto passou, sendo mais tarde, considerado inconstitucional, mas sem ser reposto os montantes, erradamente arrecadados pelo fisco.
Agora a situação se não fosse resolvida pelo Presidente, seria aprovada no tribunal.
Tudo isto me faz lembrar(mal comparado) a entrevista de António Oliveira, antigo seleccionador que disse que o futebol é todo resolvido pela Olivo Desportos.
Infelizmente a nossa democracia esta cheia de casos desses (Cavaco)desde logo um presidente que antes de se apresentar como Candidato já era tido como presidente por (quase toda a imprensa)como o impedimento de tempo de campanha a um candidato(Garcia Pereira)etc,etc.
Ao fim e ao cabo temos uma legislação insuficiente muitas vezes e perfeitamente permissiva aos interesses sempre.
A Democracia muitas vezes não passa dum slogan sem condições para se fazer fazer na prática, se calhar estes governos continuadamente bi- polares PS/PSD, serão causa e resultado disso.
Açor
VEM AÍ A DUPLA TROICA- a que já está em Lisboa e negociada por Sócrates. Agora é o acordo com o governo central.
ResponderEliminarCésar, depois de estar sempre A CRITICAR O GOVERNO DE LISBOA SEM NUNCA MUDAR A LEGISLAÇÃO REGIONAL, VAI PEDIR 137 MILHÕES.
As condições do empréstimo é que só sabemos depois das eleições. Ou seja, os açorianos ficam impedidos de votar com conhecimento de causa.
Já sabemos que, os chuchialistas voltarão a dizer que este empréstimo não irá agravar as contas regionais!
Bem faz Vasco Cordeiro que fala, fala com palavras caras, mas sumo é quase zero. Para um político que já esteve em 2 secretarias regionais , numa vice- presidência e como deputado, estamos bem entregues!
CONCLUINDO, O ÚLTIMO A SAIR QUE FECHE A PORTA!
Afinal não é só Noé Rodrigues mais a qustão das ajudas de custo com a alteração de residência!
ResponderEliminarTudo para bemsrvir o povo!